Sonho de amor 06/01/1944:
“Estava sentada numa cadeira, e diante de mim estava Peter, Peter Schiff. Estávamos olhando um livro de desenhos de Mary Bos. Os olhos de Peter subitamente encontraram os meus, e fiquei olhando durante muito tempo aqueles olhos castanhos aveludados. Então, ele disse em voz baixa: “Se eu soubesse, teria procurado você há muito tempo”. Virei-me bruscamente, esmagada pela emoção. E então senti um rosto macio, cálido e suave contra o meu, e foi tão bom, tão bom.” Anne se acordou lembrando do Peter da escola, seus olhos se encheram de lágrimas. Nas semanas que se seguem ao sonho, Anne escreve o quanto o sonho aumentou sua autoestima. E pouco depois do sonho, estreita suas relações de amizade e de namoro com o seu amigo que estava no Anexo Secreto e também se chamava Peter, que morava num quartinho onde estava a escada para o famoso sótão que Anne tanto gostava. No seu diário ela descreve suas transformações sexuais de adolescente, suas excitações, bem como as rebeldias.
A menina negra encontra a menina judia.
A escritora brasileira Conceição Evaristo e Anne Frank viveram em tempos e espaços distantes. Foram se conhecer como leitora e escritora, gerando uma comovente relação entre quem escreve e quem lê. Ambas usaram armas simbólicas para enfrentar a violência e a crueldade. Evaristo escreve que encontrou Anne como as duas sendo meninas, e o quanto o mundo adulto não deixou viver uma escritora pelo fato de ser judia. Se identifica como menina negra maltratada, rejeitada, podendo construir uma fraternidade com a menina judia. Conceição Evaristo construiu uma ponte com os tempos atuais: “Digo também que estamos em dias vazios de humanos sentimentos. A leitura de “O diário de Anne Frank” se faz necessária mais e mais nesses tempos em que a brutalidade e a prepotência de pessoas e grupos imperam buscando se colocar como donos do mundo”. Tanto Nelson Mandela como Conceição Evaristo viram em Anne Frank um símbolo de luta pela liberdade, contra o racismo com a qual se identificaram.
A última carta:
Sua última carta foi no dia primeiro de agosto de 1944, uma terça feira. Tanto essa carta como as duas últimas mereciam um estudo a parte, como a frase que cita:“Todo filho tem de se criar”. Frase que seu pai dizia e ela reflete sobre como foi educada, faz uma crítica, começa um processo de desidealiazação do ótimo pai, ela já estava com quine anos. Na sua última carta vai mais longe quando reflete sobre a acusação que ela seria um “feixe contradições”. Toma essa expressão e analisa o que isso significa, pergunta o que é contradição e daí entra, sem saber, por uma via em parte filosófica, mas também psicanalítica. “Como já disse muitas vezes, sou partida em duas”. É uma carta de duas páginas e meia, vale a pena ler, e sem Anne saber, foi sua carta de despedida da vida.
Prisão e morte: Dia quatro de agosto de 1944 a casa e o anexo foram invadidos por um sargento da SS uniformado e três holandeses da Polícia de Segurança. Os moradores foram presos e transferidos para Westerbork, um campo de triagem, e em tres de setembro deportados para Auschwitz. A mãe de Anne decidiu dar sua comida para as filhas e as três dormiam juntas, unidas para sobreviver. Em fins de outubro Margot e Anne foram levadas para Bergen-Belsen, campo de concentração perto de Hannover (Alemanha). Ambas contraíram tifo e amigas de Anne, que a viram, descrevem como estava magra, doente e no inverno com neve só enrolada num cobertor. As irmãs Frank morreram entre fevereiro e março de 1945 e foram enterradas em covas coletivas.
Pesadelo:
Durante os estudos do diário tive um pesadelo, despertei quase chorando ao recordar ataques de gente onde eu corria risco de vida e imaginei que seria morto. Logo percebi que estava identificado com os judeus do Anexo secreto, pois o envolvimento com o diário fez com que entrasse no pequeno espaço de cinquenta metros quadrados. O resto diurno do pesadelo fora a leitura da morte de Anne Frank, percebi então minha identificação com os judeus assassinados nos campos de extermínio da Europa.
Confiança no futuro.
O pai Otto Frank, foi o único sobrevivente do grupo do anexo, apesar de estar muito doente conseguiu se recuperar. Foi o responsável pela edição do livro “O diário de Anne Frank” bem como pelo museu de Amsterdam e da Fundação que leva o nome de sua filha. Anne Frank escrevendo o diário se fez escritora, com amor e humor, confiante como na mais famosa de suas frases: “Apesar de tudo ainda creio na bondade humana”. Após oitenta anos que foi escrito o diário, ele continua sendo muito lido por jovens que se identificam com ela e por pessoas de todas as idades. Tres semanas antes de ser presa, escreveu: “Vejo o mundo ser lentamente transformado numa selva, ouço o trovão que se aproxima e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E mesmo assim quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão”.
Precisamos falar da escritora Anne Frank
Anne é a vítima mais conhecida do nazismo, e a crueldade passada reaparece com novas roupagens. O dever da memória é lembrar os seis milhões de judeus mortos, mas também recordar a escravidão brasileira, o assassinato de Marielle Franco, de negros e índios. Não devemos silenciar o passado, nem o presente para construir o futuro. O Diário de Anne Frank emociona judeus, negros, o mundo no amor a liberdade, a bondade e a tolerância, daí seu sucesso.