A voz da consciência e da honra é bem fraca quando as tripas gritam (Diderot)

Na porta da pequena agência bancária ele surgiu. Muito magro, andrajoso, olhar de desespero. Pedia, ou melhor, implorava algum dinheiro, estava com muita fome. Repetia e repetia, os ouvidos que passavam não o ouviam. Invisível. Até que alguém se compadeceu e lhe deu uma pequena quantia. O homem se retirou, não sem antes agradecer a Jesus por aquela caridade. “Jesus é muito bom”, asseverou. Na penúria obscena, era-lhe impossível ocorrer a pergunta evidente: se Cristo é realmente uma boa alma, por que permite a degradação da miséria e de corpos famintos? Olhando a cena, não pude evitar a imagem de Primo Levi: era aquilo um homem?

Poucos metros adiante, uma igreja. Imponente. Ao lado de sua escadaria frontal, uma mulher dormia na calçada. Despertou devagarzinho e seu olhar me chamou a atenção. Era meio morto, desprovido de qualquer traço de esperança. Quase se arrastando vai até uma banca de jornais e pede, com o embaraço dos resignados, um pacote de biscoitos. Silêncio como resposta. Invisível. Afasta-se, preparada para mais um dia de triste sobrevivência.

Entre a agência bancária e a igreja, cruzo com famílias abrigadas do frio nas calçadas. Há cada vez mais gente se amontoando nas ruas, exércitos de miseráveis que buscam as sobras de uma sociedade que prefere ignorá-los. Exércitos desarmados, hospedeiros de uma revolta adormecida. O que acontecerá quando acordar? No tempo do Menino, costumávamos brincar quando o estômago gemia: “Tá com fome? Vai na rua, mata um homem e come”. Não devíamos nos espantar quando um desesperado rouba ou até mata para comer.

Enquanto o Abominável Homem das Trevas bravateia que o Brasil alimenta um bilhão de pessoas no mundo, surgem números da fome no Brasil. Cerca de 6 a cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar, isto é, “não possuem acesso físico, econômico e social a alimentos de forma a satisfazer suas necessidades” (definição da FAO). Aproximadamente 33 milhões de pessoas passam fome no país. Outro dado que chama a atenção. Em 2022, um a cada três brasileiros fez alguma coisa que lhe causou vergonha, tristeza ou constrangimento para conseguir alimento. Não é difícil imaginar que tipos de situações humilhantes/degradantes. Lembram do Gonzaguinha? “Mas doutor uma esmola/para um homem que é são/ou lhe mata de vergonha/ou vicia o cidadão”. Segundo um estudo da FGV, a proporção de brasileiros que não teve dinheiro para comer em algum momento em 2021 subiu quatro vezes mais do que a média dos 120 países pesquisados. Para adornar a torta letal, o IBGE informa que os 5% da população com menor renda, os mais pobres entre os pobres, tiveram queda de quase 34% no rendimento médio de 2020 para 2021.

Enquanto as hordas liberais vão despejando políticas econômicas que privilegiam os barões do capital, concentram renda e multiplicam o desespero, surgem aqui e acolá soluções mágicas para melancolias e carências. Verdade que são do ramo das Organizações Tabajara, mas vai que…

Uma certa senhora, que ocupa espaço nobre em jornal de grande circulação, ensinou o mapa da mina. Anote aí, não seja incrédulo. Espalhe a rodo e as massas serão redimidas. Começa com uma para mim desconhecida versatilidade do Santo Antônio. Achava que era apenas o santo casamenteiro. Pelo visto, tem mais poderes. Vamos lá. Asse treze pãezinhos e coloque-os ao lado de uma imagem do santo, na noite de 12 para 13 de junho. Se for em outra noite, peça à prodigiosa criatura para dar um jeito. Afinal de contas, estamos no Brasil. Não se esqueça de acender uma vela. No dia seguinte, deposite um dos pães na sua despensa. Dê os demais para pessoas de suas relações, alertando-as para que também os coloquem na despensa. Voilà! Seus problemas acabaram. Você terá um ano de alegria e fartura. A garantia de sucesso é a mesma de qualquer horóscopo, tarô, bola de cristal, borra de café. Como diria o seu Creysson: Eça eu agarantio!

Abraço. E coragem.