Quando corto o cabelo, aproveito para matar as saudades de folhear um jornal. São uns vinte minutos nos quais olho mais de um jornal, e aí li que Porto Alegre é a cidade mais tristonha do País, ao ter 17,5 por cento de deprimidos. Belém do Pará tem 7,2 por cento, menos da metade, e o País tem uma média de 11 por cento, mais ou menos. São números, e sempre se pode duvidar de como foi feito um trabalho assim, mas parece certo que aumentou o número de depressivos aqui e no Brasil. O primeiro fator apontado é a pandemia, pois o trabalho foi feito no ano passado, mas me chamou atenção que não há referência ao clima social e político que se vive. Nada também sobre o desemprego, nada sobre a fome, nada sobre o empobrecimento real e o empobrecimento humano que se vive nos últimos anos. Um país em que predomina o ódio, um país dividido.
As lágrimas podem ser mais frequentes em Porto Alegre, mas as depressões aumentaram no País e no mundo, com lágrimas secas que não lavam a alma. As depressões são no plural, as maiores e as menores, por causas psíquicas e também de origem orgânica. Nesse mundo de lágrimas secas é preciso ir devagar, como são em geral os deprimidos, lentos diante dos desafios, pois carregam pesos nas costas, o peso da existência. Os tristes sofrem com uma lista de desgraças, e muitos não levantam os olhos, perderam os horizontes. Os dias são de desânimo, perda de interesse pelo mundo, perda da capacidade de amar, com uma baixa autoestima, recriminações tanto aos demais como a si mesmo. Suas energias de viver foram perdendo sua carga como as velhas baterias de carros, e assim não podem sair do lugar.
Aprendi sobre depressões não só atendendo, estudando, mas vivendo meses intermináveis em que acordar pela manhã era um sacrifício. Viajei a Buenos Aires após concluir a faculdade de medicina, sem perceber, minha vida acelerada e, após um semestre, ocorreu a desaceleração, que era a depressão. Percebi que um mundo tinha terminado e outro começava, e não me senti à altura, a queda foi dura. As árvores da capital portenha não eram familiares, muito menos os costumes, eu era um estranho no mundo dos “hermanos”. Falei muito do sofrimento em cada sessão de análise e, após um longo tempo, me acostumei a uma nova realidade e aprendi as maravilhas da cultura portenha, os coletivos, as novas amizades. Saí do poço e vi o Sol, as nuvens, os novos horizontes.
O psicanalista francês André Green escreveu um ensaio sobre as depressões a partir do que definiu como “A mãe morta”, uma mãe com tendência depressiva, dificuldades de cuidar do bebê, gerando o que se definiu como clínica do vazio: bebês que não recebem investimentos libidinais eróticos suficientes. Quando essas crianças crescem, são vulneráveis, em especial na vida amorosa, e às vezes também na vida profissional. Na vida adulta, o desafio de construir um sentido da vida se depara com o sentimento depressivo de um vazio de sentido. Diante de pessoas tristonhas, de baixa autoestima, são dois os caminhos principais: um é o de repetir na análise um sentimento de aborrecimento fúnebre, de fracasso, uma desilusão entre analista e analisando. Outro caminho, o indicado por Green, é o de criar um espaço na dupla psicanalítica de vitalidade, com laços em que o analisando perceba um investimento libidinal do analista. Construir esse vínculo leva tempo, e aos poucos se gera uma nova vitalidade, uma relação com um movimento criativo. O guardião do túmulo de uma mãe morta pode se desprender do seu lugar fúnebre, sair da sombra de viver morrendo, construindo um sentido de ser. Recordemos sempre: “Umuntu ngumuntu ngabantu” – “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”.