Comecei a escrever na adolescência, mas logo percebi que era difícil essa forma de comunicação. Optei por textos curtos, convidado para escrever num jornal feito em mimeógrafo. Entretanto, bom mesmo eram as longas conversas onde me via mais solto. Um dia, já em Buenos Aires, nos começos da formação psicanalítica, escrevi um breve trabalho que foi elogiado pelo professor. Incrível, mas suas palavras me assustaram e parei um bom tempo de escrever. Na verdade, tenho escrito por tempos, às vezes sai até um livro, e depois durante anos não escrevo.
No século passado, um colega me contou que escutara alguém se referir a mim como escritor de coisinhas. Sorri, achei interessante e me ocorreu que deveria passar de escrever coisinhas para coisas. Talvez, daí surgiu o título do livro “Humor é coisa séria”. De coisinha para coisa é um crescimento, mas também porque gosto da palavra coisa, que é um significante e tanto.
Por que escrevo? Um leitor viciado termina sonhando em escrever, alguns se arriscam. Nesta semana me ocorreu que escrevo mesmo para conversar, pois escrevendo satisfaço meus desejos de diálogos existenciais em que se fala de tudo. No ano passado, antes de ser lançado o livro “Imaginar o amanhã”, que escrevi com o amigo Edson Luiz André de Sousa, sonhei com encontros. Imaginei reunir no Jardim Botânico, num sábado pela manhã, gente animada para conversar. Pensei em lugares possíveis, ora era um, ora outro, e como se faria tudo tecnicamente. Ao fim, nem falei com o sócio do livro, desisti, mas imaginar me fez bem. Na prática, no final do ano, ocorreram diversas “lives” com instituições psi sobre o livro, nas quais se matou um pouco as saudades dos encontros.
Escrever é uma forma de conversar, um meio de construir pontes com gente e perceber que as palavras se encontram. Nos últimos dois anos, andamos mais distantes, eventuais conversas por celular, atendimentos virtuais ainda, e aí aumentaram os contatos nas redes culturais. Creio que nós aqui temos construído uma rede cultural, não só rede social, onde uns escrevem, outros clicam e compartilham.
Nessa rede cultural é possível ler poemas, resenhas, ensaios, dicas de arte, enfim, falta tempo para escolher nesse menu variado. Se não há ainda encontros presenciais, bem-vindos as palavras que se abraçam, se beijam, fantasiam. Aliás, só aqui para escrever sobre a morte recente da querida Nilce Azevedo Cardoso, torturada quase até a morte na ditadura militar. Nilce foi uma amiga de sempre, conheci seus filhos desde pequenos e ambos estavam no velório. Semiramis, sua filha, cuidou dela dia a dia, noite a noite, a quem cumprimento aqui junto ao seu irmão Paulinho que mora em outro estado. Inesquecível foi ver o abraço de ambos no velório diante da mãe. Querida Nilce, uma mulher guerreira do bem, com uma força e uma coragem que iluminam.
No meio de tanta crueldade, tanta destruição, no meio das injustiças, de mortes sem fim, temos nossa rede humanista. Nos piores dias há duas maravilhas que validam a existência, como escreveu George Steiner em seu belo livro “Errata”: o amor e a invenção do tempo futuro. Sua junção pode nunca ocorrer, mas é sonho de Profetas, o messianismo, a utopia, a imaginação.
Na boa conversa um fala e outro escuta, agora é minha hora de escutar.