Às vezes pego o bonde atrasado. Caso das polêmicas que surgiram em torno do youtuber Monark. Não opinei de imediato, mas as reações que se seguiram à defesa que ele fez da criação de um partido nazista no Brasil me incomodaram. Todas se concentraram em um aspecto do nazismo, a saber, o racismo em geral e o antissemitismo em particular. Claro que a dimensão destes preconceitos na construção e desenvolvimento do 3º Reich não foi nada desprezível. Eles, no entanto, são insuficientes para explicar o nazismo e, especialmente, como foi capaz de arrastar boa parte do mundo para a guerra mais sangrenta de que se tem notícia.

Antes de seguir adiante, breves observações sobre Bruno Aiub, o Monark. Não dá para ignorar um cidadão que foi carro-chefe do canal Flow Podcast, com 3,6 milhões de seguidores. Multiplique-se pela capilaridade das redes sociais e se terá uma noção da encrenca. Para não depender das impressões de terceiros, resolvi assistir um programa do youtuber. Experiência intrigante. O rapaz passa o tempo todo provocando, interrompe os interlocutores a toda hora (inviabilizando qualquer diálogo), é incapaz de articular argumentos consistentes (fica numa espuma oca, escorada em clichês, repetidos à exaustão). Seu suposto carisma, bem ao gosto dos tempos bolsonaros, conduz apenas a caminhos diversionistas, sem a menor intenção de amadurecer ideias e refletir sobre a realidade. Vale apenas o histrionismo, a estridência, distrações que alvoroçam os descerebrados. Ouvir Monark é dar razão ao que disse Umberto Eco, em 2015: “As redes sociais dão o direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade (…) O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

Voltando ao nazismo. Com a derrota na Segunda Guerra Mundial, ele assumiu para muitos o status de xingamento ou, na melhor das hipóteses, de patologia, febre maligna, que acometeu povos e nações. Um acontecimento efêmero que seria varrido pela “civilização”. Isolando-o nesses territórios, abre-se mão do imperativo de analisá-lo como fruto da História, das lutas de classes, dos conflitos entre Estados e impérios. Acho muito importante fugir da armadilha idealista e mergulhar no ecossistema sócio-econômico-político que gerou o nacional-socialismo. Só assim seremos capazes de projetá-lo no tempo e avaliar se ele faz sentido nos dias que correm.

O nazismo foi clara e vitalmente nutrido pelo medo ao socialismo. Da revolução bolchevique à Espanha republicana, passando pelas tentativas de revolta na Alemanha e na Hungria e pelo crescimento das lutas sindicais na Europa, o nazismo identificou o inimigo de classe e administrou os interesses da classe dominante. Não à toa, a aliança Alemanha-Japão-Itália foi chamada de Pacto Anti-Komintern.  A burguesia alemã, pressionada pelo imperialismo inglês e debilitada pelas consequências da 1ª Guerra Mundial, aliou-se formalmente a Hitler numa conferência realizada em 4 de janeiro de 1933. Empossado na Chancelaria neste mesmo ano, o ex-cabo austríaco iniciou a escalada de repressão contra a esquerda e os “untermenschn” (judeus, portadores de doenças mentais/deficiências e outros), trajetória que desembocaria na 2ª Guerra Mundial. Sei que simplifico bastante, mas a coluna vertebral está aí.

Como acentuou corretamente Roney Cytrynowicz, “o nazismo não era uma ideologia irracional; o nazismo trabalhava, mais que outras ideologias, o componente irracional das pessoas”. O antissemitismo genocida, o racismo irredutível, se enquadravam nesta lógica de criar elementos de unidade no povo alemão, alquebrado pelo desemprego maciço, humilhado pelo Tratado de Versalhes, vasto lumpen assustado com a inquietação social. Nada melhor do que imaginar o inimigo comum, alimentar a farsa do “judeu internacional”, comparado na propaganda oficial a ratos, polir o mito da “raça superior”. Isso foi levado às últimas consequências. Mesmo recuando no front oriental, pressionados pelo Exército Vermelho, os nazistas mobilizaram recursos para acelerar a Solução Final para os judeus. Ainda Cytrynowicz: “Já na invasão da Polônia, em setembro de 1939, estava presente a visão racista, no caso antieslava, pois junto à conquista militar do país, uma das prioridades era exterminar todas as lideranças civis, padres e intelectuais. A Alemanha nazista tinha planos, nunca executados, de castração em massa das populações do Leste europeu e chegou a sequestrar crianças consideradas de tipo ariano para levá-las para a Alemanha”.

No Brasil, calcula-se que existam cerca de 350 células de inspiração nazista. Desconheço se têm alicerce em programas comuns de ação. Tudo indica que não, a organicidade implicaria numa etapa superior de organização que não ficaria invisível. Não há qualquer semelhança das conjunturas interna e externa do Brasil que espelhem os acontecimentos dos anos 20 e 30 na Alemanha. A burguesia brasileira, embora certamente conservadora, não precisa de fumaças nazistas para manter seu poder no país. A conciliação por cima sempre lhe vestiu bem. O socialismo está muito distante de representar a ameaça concreta e imediata que se visualizava na alvorada nazista. Que sentido, portanto, teria um partido nazista no Brasil? Existe racismo e antissemitismo por aqui? Claro que sim, não são nada inocentes e devem ser duramente combatidos. No entanto, racistas e antissemitas não são necessariamente nazistas. Não vejo base material e/ou subjetiva para a criação de um partido nazista no Brasil, com intenções públicas e projeto de poder. O que Monark sugeriu não passa de uma de suas patetices.

Abraço. E coragem.