As parcerias são preciosas para percorrer os labirintos, mesmo que haja trechos e tempos solitários. A construção das parcerias começa na infância e segue pela vida, nas mais variadas relações afetivas, como são os vínculos de amizade. Talvez, a primeira parceria, seja com a gente mesmo, algo nada fácil de construir, pois ser seu próprio amigo nunca é fácil. Essas experiências são o que há de melhor na existência, mas como se escolhe ou se é escolhido são determinações vinculadas ao narcisismo. Há parcerias que geram intensos sofrimentos, mais desgraças que graças, logo a experiência da escolha é essencial na vida.
As parcerias são essenciais no desapego familiar, libertar-se desses primeiros laços que às vezes apertam, e alguns até sufocam. As amizades, os irmãos da vida, diminuem a dependência e são essenciais para conquistar o entusiasmo na emocionante arte de viver. As primeiras parcerias fora da família já começam na infância, na escola e segue na adolescência, vida adulta. Nas relações também ocorrem as separações, tensões, rivalidades, difíceis vaidades. Há ainda parcerias enlouquecidas, grupos de ódio, cruéis, de um fanatismo assustador.
Unamuno escreveu: “Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida nos aperfeiçoa e enriquece não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos”. Eis uma frase que vale a pena parar a leitura, respirar, reler para ver se é certo mesmo o que o sábio espanhol de Salamanca escreveu. E, então, buscamos na memória se alguma pessoa já disse algo a respeito da gente que valeu como descoberta, como um aplauso, onde antes havia vaia alheia ou a própria decorrente de algum conflito ou sintoma. Nesse tempo de lembranças, eis uma gerada numa conversa com um amigo, ocorrida há muitos anos. Eu começo a conversa:
– Fico impressionado com tua capacidade de adaptação à vida institucional, trabalhas na faculdade, tens uma associação psicanalítica; já eu tenho uma marca gauche, um outsider.
– A rebeldia segue sendo indispensável. Lembro um artista que trabalhou com várias técnicas e participou de uma procissão caminhando em sentido contrário para estudar a reação das pessoas. Como era alto, chamava mais atenção também pelo saiote que vestia. Se todos andarem na corrente, não se conhecerá a contracorrente, e isso é importante.
Escutei a história, e o amigo Edson, parceiro agora do livro da imaginação, mostrou uma foto de Flávio de Carvalho na histórica procissão. Talvez, nessa breve história, haja um exemplo do que escreveu Unamuno sobre o que o outro descobre na gente desde uma outra perspectiva. Alguma vez fora criticado, com razão, por colegas psi por não ser um fã da vida institucional, mas naquele distante dia o amigo contou uma história reconfortante. Conviver com sintomas difíceis de serem tratados é da vida, é uma espécie de rocha dura difícil de romper.
Cada parceria é única, e muitas são desfeitas ao longo da vida, algumas seguem outras não, assim como os casamentos, as amizades também se dissolvem. Há uns três anos comecei a publicar no Face em busca de gente para conversar. Quem escreve desenvolve também a arte da conversação, aliás, as redes sociais são verdadeiras pontes. As parcerias também se constroem com os escritores, pois abrir um livro é escutar o que cada autor tem para contar. Por melhor que sejam essas redes, creio que estamos com saudades da convivência presencial com as parcerias.