Aquela mulher, superior, a quem amei,
tanto amei, profunda e loucamente,
que morrendo e nascendo mil vidas,
em gozo que alegremente me inunda
em poesia, música e bocas incontidas
outra não amaria, assim, plenificado,
entregue, dado, vivo, como a ela me dei!
Aquela mulher que andava pelos corredores,
dançando, única e especialmente feminina,
e a cada passo se lhe abriam os caminhos
como a nenhuma outra dos meus amores;
Aquela mulher que me mostrava a estrela
e versos de uma língua que eu desconhecia,
e me levava, pela mão, entre linhas da literatura
abrindo meus olhos juvenis para compreendê-la;
Aquela mulher que cantava o Hino ao Amor
no seu melhor francês, feito de alma e corpo,
com a voz que expandia espaços e poesia,
e cantava rindo, e chorando, como quem voa
e amontoa brasas
fez-me ver as asas, então, asas que eu tinha
e me deu sua flor: “vem, beije-me na anarquia”
Aquela mulher, amada, muito amada, diria,
cobrindo-me de beijos e alegria em cada canto
e que, enquanto amada, ria em seu mundo,
feito de livros, e textos, e linhas, e letras – e alma,
e corpo, e seios, e jardim, e flor,
rosada e aberta,
Fez-se, assim, Poesia, fazendo-me Poeta,
E me ensinou o mergulho no seu acalanto;
Aquela mulher, superior, que me ensinava versos
e dizia: “vai com estes versos e descobre a Poesia“,
como quem conhece os caminhos do mundo,
e transitava entre personagens como quem enxerga,
e, outra vez, dizia: “ande, voe, mergulhe e crie“,
desvendando em cada encontro os meus universos;
Aquela mulher infinita
que nos primeiros versos
não pude mencionar
deu-me, no entanto, a língua e o mar,
e o ar que eu não tinha,
mostrou-me o amor profundo,
e o caminho de sua vinha,
lambeu minhas asas,
abriu-me seu mundo, fez-me seu
e se converteu em cada letra e ponto,
honra e glória,
a quem, de longe, dediquei cada vitória
e a bondade do texto,
e a razão do meu sexto
e interminável dia de construção:
aquela mulher, então, que não pude mencionar,
aquela mulher, eu amei em verso e letras, desperto,
entre as quais ela me levou, superior, a passear
em um voo vermelho e liberto!
A ela, Aquela mulher,
esta mulher, ainda, hoje,
o meu vinho, o meu ninho,
o meu corpo, os meus joelhos nus,
os meus olhos vermelhos,
a minha boca, sonora e úmida,
a minha língua no lábio que aflora
a cada toque em gemido múltiplo e vário
e minha letra desenhando seus espelhos
na carne louca de qualquer carne amando
em um canto de gozo vivo e libertário!
© Pietro Nardella-Dellova,
in “Porque Ela Me Ensinou a Língua”.SCARPE DA DONNA, 2012 (in press)
foto: by Alessio Delfino, Italy