Sabes o que é sofrimento?

Sabes o que é choro, dor, fome, sede, peste, sujeira, mosca, abandono, rato, exclusão, morte emocional e intelectual, violência doméstica?

Sabes?

Sabes o que é começar um dia, manter-se nele e terminá-lo como escravo, sem nenhuma perspectiva?

Sabes?

Sabes mesmo o que é estar – e existir – em um país que jura pelos seus deuses, pelos seus demônios, pelas suas trindades, pelas suas macumbas, pelos seus grupos de oração, pelos seus exorcismos, pelas suas passarelas, pela sua Constituição, enfim, por tudo, formalmente, que não é preconceituoso nem injusto, nem racista, nem bairrista, nem colonial, nem provinciano, quando, por desgraça, salta aos olhos, escorrega por entre os dedos, pelos cantos da boca, pelos botecos, pelas cotas universitárias, pelas condenações, prisões e vias públicas que é, vergonhosamente, preconceituoso, injusto, racista, bairrista, colonial e provinciano?

Sabes?

Sabes o que é favela? Porrada policial? Despejo? Reintegração de Posse? Enchente? Homofobia? Clínica clandestina de aborto? Macas nos corredores hospitalares?

Sabes?

Sabes o que é dente cariado, quebrado, carcomido?

Sabes?

Sabes o que é – e o que deveria ser – a justiça social?

Enfim, sabes alguma coisa para além da tua estultícia cotidiana e acima – além – da tua mediocridade pós-graduada? Sabes algo além das tuas babaquices teológicas e religiosas, das tuas troquinhas de mensagens virtuais no meio das aulas e congressos, das tuas colinhas entre as pernas, das tuas conversinhas de vento no corredor universitário, dos teus encontros maledicentes, do teu “cansaço e irritação” por ficar meia hora no congestionamento dos grandes centros urbanos (enquanto milhões esperam – e esperam – a sorte de um trem fedorento)? Sabes alguma coisa para além deste teu real desprezo pelo social e pelas pessoas?

Sabes?

Sabes o que é trabalho escravo, hoje? Sabes o que é dívida histórica com os negros? Sabes o que é povo indígena destruído a cada avanço dos devastadores da floresta? Sabes o que é desmatamento? Sabes o que é transporte coletivo, onde todos esmagam – e fodem – todos? Sabes o que é trabalho infantil? Exploração infantil?

Sabes?

Não? Não sabes?

Va bene, és um merda, um fake, o adubo dos opressores, a garantia dos corruptos, a razão dos ditadores, um boneco sem começo nem fim, cuja voz aborrece até mesmo os espíritos do universo…

Pietro Nardella-Dellova, 2012