I

Amo com loucura uma mulher

e com os meus sonhos, e com os meus versos,

amo com os olhos, e amo com procura,

e com minha voz, e com vinho,

amo com as estrelas, e com a lua,

e com os ventos, e com a chuva,

amo com as minhas lágrimas todas;

amo intensamente uma mulher

com esta loucura tamanha e constante

que em tudo que faço ei-la presente

e se não abrem os olhos meus

senão para procurá-la em cada coisa…

amo com desespero e doçura uma mulher

que a procuro em todos os filmes e cenas

e nos jornais e revistas que se me chegam,

e em cada livro que leio

procuro-a nas palavras e pontos;

amo completamente uma mulher

e este amor tão completo se faz

que enchem a minha pele, e os músculos,

e as minhas veias, e as minhas entranhas,

e os meus cabelos, e a barba,

e a minha alma, estas vibrações todas.

II

Ninguém sabe dos meus olhos

por que plagas andam a olhar,

e matas, e serras a procurar,

ninguém sabe por que céus vagueiam

na busca da estrela e seu brilho,

ninguém pensa por que profundidades

eles descem, às vezes, na ânsia

desesperada,

e por que alturas, soltos e leves,

se deixam errantes

e parecendo até sem rumos;

por onde andam os meus olhos?

por que formas se deixam levar à tortura,

por que cores e cheiros se perdem

no esgueio pretensioso e demorado?

estes olhos,

eu os desconheço!

e mesmo cansado tantas vezes amanheço

e ei-los abertos, na escuridão,

buscando vozes e sentindo perfumes

que se desprendem em quaisquer passos

da mulher

que invade a noite e os pensamentos.

III

Que lábios!

os seus lábios tenros…

voltados para fora de si, à poesia,

cheios do langor feminino, a doçura,

mais lindos parecem a cada dia

no vermelho, e no rosa, e na procura

do afago íntimo do beijo pleno

e do murmúrio despretensioso que jorra

em cada sorriso que se faz sereno,

em cada desejo que nesses lábios mora.

IV

A delicadeza dos seres

que se olham e se buscam,

e a carícia que se faz no virar

do rosto na aprovação,

e o sorriso de contentamento,

é a poesia não escrita,

é o essencial e bastante

para que os seres vivam

uma vida viva

e cheia de cores,

a vida nua e sem formas

que não se faz na aparência

de coisas imóveis,

mas, no aparecer do corpo

nas formas vivas…

V

Este cheiro de verso que exala

pelos poros

é agitação da poesia

que se dilata num transmudar

sonoro

de noite, e madrugada, e dia,

buscando na sua presença

enternecida

a luz que a envolve

e a faz íntima na flama desaparecida,

e a mão que revolve

estes campos imensos em que se perde

a visão,

pasmada completamente,

porque se perde a estrutura

e se perde a razão

e resta a poesia somente

no corpo que busca com cheiro de verso

seu corpo com cheiro de gente.

VI

Ao seu cheiro e caminhar

sou pessoa vivamente,

e na ansiedade de ouvir sua voz

sobe-me queimando

do abdômen ao peito

um fogo qualquer

do fogo de quem ama:

– é que há seres que completam outros,

há mulheres que fazem mais poetas

os poetas –

talvez, a simples fala cheia de emoção:

aquela fala cheia de coração,

a alma feminina repleta,

os olhos que enxergam a amplitude,

o jeito de ser mulher

e de cultivar o encanto:

– o precioso jeito de transformar

a angústia

em qualquer coisa feliz…

a sutileza e o critério

em saber ouvir o que o coração diz,

afinal, só o coração diz alguma cousa!

… merece toda a poesia e o canto.

tudo isso é o jeito de ser mulher

completamente,

e faz-me sentir, tocando você,

eu sou mais tudo

plenamente.

VII

Os seus olhos rompem o silêncio

do claustro, e na noite brilham os

lábios avermelhados, na vontade

de beijos loucos, e no acaso reclamam

os abraços e os amores vários,

e estes traços que se mostram

no seu corpo de ternura

delineiam nos meus olhos fitos

o calor dos afagos, e o aperto nos seios,

e o transpirar constante de corpos nus,

deixe-se e permita-me tirar com beijos

e carinhos muitos a espuma dos lábios

e quero despentear os cabelos

e atirar-me aos seios

modificando suas formas

no hirto da ansiedade e dos desejos,

e grite, apertando-me às suas entranhas

com fogo, e força, e com prazer bastante,

e repouse por fim

no aconchego dos braços,

e não pare,

e não pense, e não parta,

apenas, derrame o beijo da sua boca

para que cubra minha boca novamente…

VIII

Os olhos da mulher amante

insinuantes e graciosos,

os amorosos versos do seu rosto

e o gosto de estar com ela,

os olhos da mulher amante…

e cante-se alto este poema!

e esprema-se o cérebro de ânsia

e a infância se despeça aos gritos

destes mitos que se formam

e tomam os atos espontâneos…

que olhos! os olhos da amante,

que tanto dizem aos vazios

e sabem quando chego ansioso

e sabem quando parto triste,

são olhos de mulher amante

os olhos da mulher amante

que brilham, lânguidos e fitos,

ao toque e traduzem

as vibrações do meu corpo

quando piscam no medo…

os olhos da mulher amante

são grandes feito céu

e de tão grandes que se fazem

adentrei pelas pupilas

dilatadas com todos os meus versos.

IX

Onde está aquela mulher amada?

estará calada ou chorando algum verso?

estará dormindo nua em sua cama?

estará na lama de seu estado cruel e distante?

onde está a amante?

onde está aquela mulher que amo

e chamo num amor desesperado?

estará sozinha na sala e na penumbra?

estará sozinha enquanto o tempo castiga?

onde está aquela mulher que descobri

e que sorri quando me abraça?

estará sorrindo num suave sono,

ou estará no trono de barro estranho?

estará no banho demorado

perfumado com sua pele rosada?

estará desmaiada na sua ternura?

onde está aquela mulher loucura,

estará madura, estará descontente?

estará feminina de qualquer jeito,

estará com o peito descoberto ao lençol?

onde está aquela mulher infinita,

estará bonita, estará dançando,

estará navegando por mares de sonhos

em que ponho minhas mãos para agitar?

estará a gritar um nome

e a buscar na fome o braço que leva?

X

Vem cá,

sente-se de qualquer jeito e sem pressa

e sinta cada segundo terno do meu olhar

acreditando em cada lágrima que escorrer;

não se apresse, e não se preocupe;

não envelheça sem viver estes instantes

e não passe este dia insensivelmente

sem descobrir por que razão ele existe,

sente-se aqui e recline-se sobre o meu lado

e diremos o quanto vale a amizade e o beijo;

o quanto vale a voz sincera enternecida

e descobriremos, jubilosos, o que é o agora,

vem cá,

sente-se de qualquer jeito e sem pressa

e nos conduziremos à estranha sensação

de ser gente.

© Pietro Nardella-Dellova, Extratos do livro AMO. São Paulo: L&S Editora, 1990, passim;

Imagem: Chiara Cazzato, Puglia, Itália (Editora Tempesta, Roma)