Finalmente a pauta da saúde mental chegou às olimpíadas, que em sua estruturação e função terminaram de absorver tudo de ruim que o capitalismo tem a oferecer. De suas origens gregas baseadas no culto do corpo como forma de dominação e sintonia com as forças da natureza e de uma estética épica aos dias atuais, o ideal olímpico foi substituído por um meio de disputa por lucros financeiros sugados das jugulares dos atletas e pelo qual nem mesmo uma pandemia de um vírus tão destrutivo chega a ser um obstáculo. Assim, aquilo que poderia servir aos atletas em formação e aos já formados como meio de conexão cultural e eventualmente espiritual com suas raízes pessoais, geográficas e étnicas, passa a ser objeto de consumo externo sobre os quais sobrevêm expectativas “industriais” que desumanizam o imenso esforço e sacrifício dedicados simplesmente para que se chegue às arenas olímpicas. O pódio passa a ser assim apenas um lugar de uma brutal distopia, se fizermos uma comparação entre o antigo e o novo.
Certamente poucos passam incólumes por esse processo, e certamente não ficamos sabendo nem de uma pequena fração do que se passa na história de cada participante, desde o início de seus treinamentos até a categorização como atleta olímpico. Nesta corrida, quanto mais à frente, maiores as expectativas. Pode se dizer, com pouco exagero, que a vida de um atleta olímpico passa a ser vivida de forma artificial, o que provoca necessariamente um isolamento progressivo do atleta em relação à sua própria vida, que passa a girar em torno de superações e dores físicas com o olhar voltado quase exclusivamente às míticas medalhas.
Não há dúvida de que esta progressiva distância vivida pelo(a) atleta da “vida real” exerce enorme pressão sobre a essência do indivíduo, que ao nascer e crescer cria seus vínculos naturais com o ambiente “normal” e que muito precocemente é escolhido por um sistema para seguir esta carreira. O desenvolvimento das capacidades físicas neste contexto certamente ultrapassa a capacidade da mente de um jovem, especialmente no período da adolescência onde o cérebro passa por intensas transformações em sua microestrutura para atingir a maturidade morfológica por volta dos 20 anos de idade. A intensa atividade física e a intensa relação com o mundo dos treinamentos joga para trás o desenvolvimento de outras habilidades que dependem de uma vida mais complexa e interativa, massacrada pelo intenso regime de treinamentos repetitivos.
Certamente chega a hora em que alguns e algumas, geralmente os mais destacados e sobre os quais são exercidas as maiores pressões, sofrem uma fratura em suas estruturas emocionais, causando os gritos de dor que desta vez, munidos de uma “acústica” fornecida pelas redes sociais, chegam aos ouvidos do mundo, denunciando a desumanização desta atividade, supllicando por uma trégua nesta guerra de superações cujos vencedores não estão propriamente nas arenas, nas pistas e nas quadras, e, na melhor das hipóteses, terminam por levar os atletas à condição de ídolos, ícones, imagens de um sucesso distópico, onde o que está em jogo é o que a pessoa faz em referência a padrões dominantes impostos por regramentos frios, absolutamente distantes e cegos à essência da pessoa, tratada literalmente pela essência da indústria.
Infelizmente me parece que isto não mudará tão cedo, mas espero sim que os gritos sejam ouvidos e que causem reflexões por parte dos envolvidos na produção desses espetáculos que dos tempos antigos até hoje vêm se descaracterizando como processos onde o indivíduo, através do esporte, cultiva os seus laços com a natureza, com o ambiente, com a cultura, e com a espiritualidade, pois as coisas do jeito em que estão já não conseguirão mais abafar a patologia subjacente.