Existem muitas razões para explicar como Bolsonaro chegou ao poder. Afinal de contas o Brasil tinha experimentado um crescimento econômico, saído do mapa da fome, estava livre de dívidas internacionais, emprestava dinheiro ao FMI, o petróleo descoberto no Pré-Sal garantia saúde e educação para as próximas gerações, havia pleno emprego e milhões de brasileiros ascendiam socialmente.
Em primeiro lugar, os brasileiros tinham perdido a fé no sistema político da época. A jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos esperavam. Muitos sentiam raiva dos corruptos cujas políticas forjaram uma crise econômica. Buscava-se um novo rosto. Um antipolítico promoveria mudanças de verdade. Muitos dos eleitores de Bolsonaro ficaram incomodados com seu radicalismo, mas os partidos estabelecidos não pareciam oferecer boas alternativas.
Em segundo lugar, Bolsonaro sabia como usar a mídia para seus propósitos. Contrastando o discurso burocrático da maioria dos outros políticos, Bolsonaro usava um linguajar simples, espalhava fake-news e os jornais adoravam sugerir que muito do que ele dizia era absurdo. Ele era politicamente incorreto de propósito, o que o tornava mais autêntico aos olhos dos eleitores. Cada fala era um espetáculo. Diferentemente dos outros políticos, ele foi recebido com aplausos de pé onde quer que fosse, empolgando as multidões.
Em terceiro lugar, muitos brasileiros sentiram que seu país sofria com uma crise moral, e Bolsonaro prometeu uma restauração. Pessoas religiosas, sobretudo, ficaram horrorizadas com a arte moderna e os costumes culturais progressistas que estavam em voga com as mulheres se tornando cada vez mais independentes e a comunidade LGBT ganhando visibilidade. Os conservadores sonhavam com restabelecer a antiga ordem. Os conselheiros de Bolsonaro eram todos homens heterossexuais brancos. As mulheres, ele argumentou, deveriam se limitar a administrar a casa e ter filhos. Homens inseguros podiam, de vez em quando, subverter a ordem para reafirmarem sua masculinidade.
Em quarto lugar, apesar de Bolsonaro fazer declarações ultrajantes – como a de que negros deveriam ter seu peso medido em arrobas e gays deveriam ser mortos – muitos pensavam que ele só queria chocar as pessoas. Muitos brasileiros que tinham amigos gays ou negros votaram em Bolsonaro, confiantes de que ele nunca implementaria suas promessas. Simplista, inexperiente e muitas vezes tão esdrúxulo, que até mesmo seus concorrentes riam dele, Bolsonaro poderia ser controlado por conselheiros mais experientes, ou ele logo deixaria a política. Afinal, ele precisava de partidos tradicionais para governar.
Em quinto, Bolsonaro ofereceu soluções simplistas que, à primeira vista, faziam sentido para todos. O problema do crime, argumentava, poderia ser resolvido aplicando a pena de morte e aumentando as sentenças de prisão. Problemas econômicos, segundo ele, eram causados por atores externos e conspiradores comunistas, seu bode expiatório favorito. Os brasileiros “verdadeiros” não deviam se culpar por nada. Tudo foi embalado em slogans fáceis de lembrar: “Brasil acima de tudo”, “O Trabalho Liberta”, “Um povo, uma nação, um líder.”
Em sexto lugar, as elites logo aderiram a Bolsonaro porque ele prometeu — e implementou — um atraente regime clientelista, cleptocrata, que beneficiou grupos de interesses especiais. Os industriais ganharam contratos suculentos, que os fizeram ignorar as tendências fascistas de Bolsonaro.
Em sétimo, mesmo antes da eleição de 2018, falar contra Bolsonaro tornou-se cada vez mais perigoso. Jovens agressivos, que o apoiavam, ameaçavam verbalmente os oponentes. Muitos brasileiros que não apoiavam o então candidato preferiam ficar calados para evitar problemas com os bolsonaristas.
Três anos depois, com mais de 500 mil mortos pela Covid-19, muitos brasileiros que votaram em Bolsonaro disseram a si mesmos que não tinham ideia de que ele traria tanta miséria ao Brasil. “Se soubesse que ele trataria a pandemia desta maneira, eu nunca teria votado nele ”, contou-me um amigo da minha família. “Mas como você pode dizer isso, considerando que Bolsonaro falou publicamente que era preciso matar uns 30 mil antes da campanha?”, perguntei. “Eu achava que ele era pouco mais que um palhaço, um trapaceiro”, respondeu minha avó, cujo irmão morreu de Covid.
De fato, uma análise mais objetiva mostra que, justamente quando era mais necessário defender a democracia, os brasileiros caíram na tentação fácil de um demagogo patético que fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas propostas concretas de como lidar com os problemas do país. Diferentemente do que se sabe hoje em dia, Bolsonaro não era um gênio. Não passava de um charlatão oportunista que identificou e explorou uma profunda insegurança na sociedade brasileira.
Bolsonaro não chegou ao poder porque todos os brasileiros eram bolsonaristas ou homofóbicos, mas porque muitas pessoas razoáveis fizeram vista grossa. O mal se estabeleceu na vida cotidiana porque as pessoas eram incapazes ou sem vontade de reconhecê-lo ou denunciá-lo, disseminando-se entre os brasileiros porque o povo estava disposto a minimizá-lo. Antes de muitos perceberem o que a maquinaria fascista do bolsonarismo estava fazendo, ele já não podia mais ser contido. Era tarde demais.
Este artigo é um “plágio” de uma publicação do El País de outubro de 2018, assinada por Oliver Stuenkel, intitulada “Por que votamos em Hitler“. Eu apenas fiz a adaptação com a intenção de trazer ao nosso cenário atual que dispensa maiores explicações.
Recomendo muito a leitura do artigo original.