Espanto. Crítica muita. Solidariedade pouca. A atitude da tenista japonesa Naomi Osaka, abandonando o torneio de Roland Garros, suscitou pequena tormenta. Osaka, uma das melhores tenistas da atualidade e conhecida pela dificuldade de falar em público, alegou, entre outras coisas, que não suportava a obrigação de participar de entrevistas coletivas após cada partida. Disse que as perguntas eram repetitivas e invadiam sua privacidade, afetando, inclusive, seu equilíbrio emocional. Recebeu multa salgada e foi ameaçada de excomunhão, digo, de ser eliminada de outros torneios de ponta. Os patrocinadores não engoliram a independência da atleta.
Gosto de tênis, da plasticidade do esporte. Sempre que posso, assisto as partidas dos bons torneios. No entanto, sei que, como em tudo que mobiliza quantias milionárias, os envolvidos deixam de ser apenas protagonistas do jogo. São também personagens, garotos-propaganda, obedientes seguidores de regras que beneficiam os investidores. Só em Roland Garros, serão distribuídos 34 milhões de euros em prêmios. É uma sociedade do espetáculo e os rebeldes são sumariamente alijados. Como costumam repetir os patéticos comentaristas de futebol, os jogadores são “peças de reposição”. Não se diferenciam de pregos e arruelas.
Osaka teve coragem de desafiar uma regra inaceitável para ela. Foi punida e, simbolicamente, à sua maneira e em circunstâncias diferentes, repetiu o gesto de Muhammad Ali. Em 1967, Ali se recusou a servir ao exército norte-americano que agredia o Vietnã. Na ocasião, disse: “Por que eles deveriam me pedir para colocar um uniforme, ir a dez mil milhas de casa e atirar bombas e balas nas pessoas marrons no Vietnã, enquanto as pessoas chamadas de ‘nigger’ em Louisville são tratadas como cachorros e negados seus direitos humanos básicos?”. Seu título de campeão mundial foi cassado e ele condenado a cinco anos de prisão.
Quero aproveitar para questionar as entrevistas, coletivas ou não, que se convocam antes e após os jogos. As perguntas costumam ser indigentes, padrão beócio, e recebem respostas de nível equivalente. À falta do que falar, os abobrinhas-profissionais resvalam para a vida pessoal dos atletas. Vai daí que, em 2004, por exemplo, perguntaram à então emergente tenista russa Maria Sharapova se ela gostava de saber que era uma espécie de “garota de calendário”, sobretudo na Inglaterra. Tudo a ver com a cena esportiva, não é mesmo? Neste ano, ficamos sabendo, pelos valorosos arguidores de Roland Garros, que uma tenista ucraniana é a “chefe” da casa, que outra, bielorrussa, adora certo restaurante em Minsk, e que um destacado russo aprecia sashimi de atum. Como é que eu, interessado nos pormenores de aces e estratégias de jogo, poderia dormir sem conhecer estes notáveis – e picantes – bastidores familiar-gastronômicos? Voyeurs de todo o mundo, uni-vos!
Jornalistas chapa-branca correram para desancar Osaka. Precisa curar aquela cabeça desmiolada, excretaram. Dou o maior apoio a quem busca terapia para enfrentar seus temores e dores. No entanto, quando se trata da área esportiva, é preciso acender a luz amarela. Não é demais lembrar o caso da seleção brasileira de futebol de 1958. Naquele ano, a CBD contratou o psicólogo João Carvalhaes para avaliar a condição emocional dos jogadores. Depois de ministrar-lhes testes convencionais, chegou à conclusão de que Garrincha não conseguiria enfrentar jogos sob pressão. Pelé, com 17 anos, não teria senso de responsabilidade para jogos coletivos. O resto é história. Garrincha e Pelé foram vitais para a conquista da Copa, com atuações antológicas. Estraçalharam esquemas táticos e defesas imbatíveis. O doutor, vejam só, não entendia nada de futebol. Os desviantes, os improvisadores, os imprevisíveis, driblam fácil os formulários-padrão.
Tenho grande simpatia pela atitude de Naomi Osaka. Me parece que, a depender dela, o tênis teria mais cara de Carnaval Atlântida, com os desconcertos de Oscarito e Grande Otelo, do que de soirées ornamentadas com gravatas borboleta. Mais driblador habilidoso, ensaboado, enjoado de marcar, menos “extremo desequilibrante”. Mais cara de gente, homessa!
Abraço. E coragem.