“Eu É Nós” é uma peça teatral escrita e dirigida pela amiga artista Suzana Saldanha. O título é uma ponte entre o quem eu sou e o quem é nós. A ponte tem nas identificações sua sustentação, pois expressa a incorporação de fragmentos do mundo transformados pelo indivíduo que assimila atributos do outro e os transforma. Logo, cada um de nós se constitui, através das identificações, em cada um há uma pluralidade de pessoas psíquicas.
Para que a gente possa se entender consigo surgem questionamentos diante as encruzilhadas. Durante anos busquei responder perguntas sobre as identidades ilusórias e necessárias. Na adolescência, perguntei o que é ser judeu, o que é ser homem; já na faculdade o que era ser de esquerda (geração 68) e o que seria na vida. Na formação profissional irrompeu sobre o que é ser psicanalista. Percebi o quanto essas perguntas integram identidades, e como a evolução das interrogações contém certa rebeldia diante das certezas.
Pensar em nós é perceber que se nasce em uma família, indispensável para crescer, e logo vem a construção das amizades, os apoios indispensáveis para dar amparo e afastar a morte. Aliás, há uma história entre dois poetas amigos e a morte, que ocorreu numa manhã cedinho. Thiago de Melo (“Faz escuro mas eu canto”) chegou na capela do cemitério, e logo viu Maria Julieta, filha do Drummond, dormindo coberta de flores, e cabisbaixo, num canto, o pai velava sua única filha. –“Poeta. Você veio…” disse o amigo surpreso. Ambos ficaram de mãos dadas por um bom tempo. Quando Thiago ia se indo, Carlos ainda disse:- “Amigo…”. Nessa cena distante se evidencia o quanto cada morte importa e o quanto o número de mortos impacta, mas se perde o humanismo. É triste também imaginar o cotidiano sem os amigos, sem os laços que se constroem entre palavras e mãos dadas.
Quem somos nós? Não sei, mas lembro do quanto uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas segundo a tradição africana do Ubuntu. Uma vez por semana estamos aqui reunidos, somos fãs dos trabalhadores da saúde, dos artistas, dos cientistas, que em tempo recorde inventaram tantas vacinas. Também os vejo como democratas de raiz, contra a tortura e todas as formas de genocídio. São diferentes formas de ser humanista, enriquecer com a alteridade e caminhar em busca de um país mais justo. As fotos escritas que fiz sobre nós, não revelam os sintomas, os conflitos que na verdade expressam que somos humanos.
Imagino a gratidão aos que lutaram e lutam por um país melhor para todos e não só para alguns. Não ser indiferente às mortes, defender que os crimes contra a humanidade sejam julgados. É preciso entender os apoiadores do governo, e torcer por um despertar e o afastamento do mais cruel dos presidentes do Brasil. Além do que um governo justo deveria gastar muito menos com as Forças Armadas, o Congresso, o Judiciário, o Executivo, e muito mais na ajuda ao povo sofredor.
Os sonhos se fortalecem com manifestações públicas lideradas por jovens. Elas revelam que um gigante adormecido potente para se levantar contra o autoritarismo. Entre um encontro de dois poetas, uma manifestação pública liderada por jovens entusiasmados estão também grupos como esse. Todas as semanas a gente se encontra nas esquinas do Face formando pontes entre nós. As redes sociais amparam, são frágeis redes de segurança, apoio no luto pelos mortos e na luta para manter o humanismo. Viver é aprender, somos aprendizes de uma travessia por desertos e labirintos infinitos, por um amanhã melhor.