Caro Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, antes de tudo, muito obrigado por sua resposta ao meu artigo “Meu Amigo Judeu”, publicado no Brasil 247. É sempre um prazer conversar com alguém que antes de tudo procura mostrar o que temos em comum, e depois apresentar o que discorda. Tudo de maneira respeitosa, e mesmo assim contundente.

Faço também questão de dizer que nós os dois, apesar dos inúmeros casos citados de falta de manifestações da esquerda, ainda estamos longe de mostrar tudo o que acontece e fica restrito a poucas linhas de um jornal, ou em sites que precisam ser acessados por quem se interessa pelo que verdadeiramente acontece em nosso planeta. Infelizmente a maioria destes tristes episódios da vida real não transita nas redes sociais.

Concordamos plenamente de que Bibi e o Hamas são um obstáculo para a paz. De que se deve criticar as atitudes do governo israelense com relação à ocupação e ao tratamento desigual que dá aos árabes israelenses. Da mesma forma o tratamento que o Hamas e o mundo árabe em geral, dá aos LGBTs e tantas outras minorias.

Eu estou ao lado da esquerda que critica Bibi desde sempre. Por tudo que ele fez e principalmente pelo que deixou de fazer. Me é trágica a visão da situação em que nos encontramos, especialmente sabendo que a violência traz mais violência e o ciclo se renova a cada par de anos. Não discordo em nada. Saliento ainda que mesmo tendo sido o Hamas o responsável por este último ciclo com o lançamento de foguetes contra Jerusalém, não concordo com o uso desproporcional da força. Mas que fique claro que a dor da morte, da perda de entes queridos é a mesma dos dois lados da fronteira. As lágrimas derramadas pelas mães palestinas são iguais as lágrimas derramadas pelas mães israelenses.

Em nenhum momento do meu texto escrevi que toda a esquerda é antissemita. Jamais diria uma coisa destas porque não é verdade. O que eu disse e reafirmo, é que parte da esquerda é antissemita. Infelizmente o preconceito é um flagelo humano, independe de ideologias e abrange todo o espectro político.

Eu o convido, caro Martonio a uma simples reflexão. Vamos imaginar, apenas para fins desta conversa, que Israel não existisse, aliás que nunca existiu. Concordamos que a esquerda silencia, ou quase não se manifesta contra as tragédias humanas que acontecem ao redor do mundo. Neste caso seria correto supor então que não existiriam mais manifestações contra Israel? Sim e não. Explico: não contra Israel que nesta nossa reflexão não existe, mas parte da esquerda continuaria se manifestando contra os judeus que “querem dominar o mundo, que dominam a economia mundial, a imprensa internacional” etc.

Mas então vamos um passo adiante e vamos imaginar que não existissem judeus também. Então, sim, o silêncio seria quase completo. O problema nunca foi Israel, o problema são os judeus. A isto eu chamo antissemitismo da esquerda.

Agora dentro deste mesmo quadro alguém poderia achar que existiria um Estado Palestino. Ledo engano. Se não existisse Israel, aquele território seria parte da Jordânia, da Síria ou do Egito. Talvez estivesse dividido entre eles. O mesmo que acontece com os curdos e o Curdistão.

Voltando à realidade eu creio que parte da esquerda que se manifesta de maneira antissemita, o faz pela simples razão de que Israel é um Estado Judaico. Tire os judeus da equação e eles passam a fazer parte da maioria da esquerda que faz ouvidos moucos às tantas mazelas humanas que já mencionamos. Outra parte faz as críticas certas e com razão sobre o que acontece aqui.

Eu hoje estou com 63 anos. Sempre militei na esquerda. Trafeguei sem problemas nos mais diversos fóruns antissionistas. Tenho o bom senso de diferenciar um antissionista de um antissemita. Já fui alvo de ataques dentro da comunidade judaica em discussões sobre isso. Já me acusaram de traidor, de antissemita, de anti-israelense, esquerdista e me chamaram de tudo que possas imaginar. Ser de esquerda na comunidade judaica não é fácil. Por outro lado, parte da esquerda me chama de imperialista, de assassino, de genocida, sionista. Ser judeu na esquerda não é fácil. Da direita não chegam menos desaforos.

O fato é que sempre fui um sionista socialista e aprendi a conviver com isso. Vivi o socialismo no Kibutz (fazendas coletivas) e hoje vivo na cidade. Não compactuo com o sionismo religioso, nem mesmo com o sionismo da direita. Algo muito parecido com o Peronismo na Argentina. Como se sabe, lá sempre existiram Peronistas de esquerda, de centro e de direita. Ser antiperonista lá é quase como ser anti-Argentina.

Nós, judeus sionistas socialistas somos a linha de frente na luta por um Estado Palestino. A nossa voz é necessária, é o contraponto às ambições das facções fascistas da sociedade israelense que desejam anexar todo o território ocupado.

Eu acredito que ninguém melhor que um negro para me explicar o que é o racismo. Ninguém melhor que um homossexual para me explicar a homofobia. Assim sendo, ninguém melhor que uma mulher para me explicar o que seja a misoginia. Por que seria diferente com relação aos judeus? Por que não pedir a um judeu que explique o que é antissemitismo? Por que as pessoas se acham no direito, e digo isso sabendo que muitos o fazem de boa vontade, de me dizer o que de fato é uma agressão à minha condição como judeu e o que é de fato uma agressão restrita a Israel? Acham realmente que depois de todas as perseguições, de todas as tentativas de sermos varridos do mapa, do Holocausto, chegamos até os dias de hoje sem saber quem é um antissemita?

Meu querido Martonio, nunca vais escutar de minha pessoa que toda crítica a Israel é antissemitismo. De fato, seria muito comodismo e uma falta de bom senso de minha parte. Sempre fui muito cuidadoso neste sentido. Tenho mais de 45 anos de militância nas costas para saber que quando estamos diante de uma pessoa que odeia judeus, se comporta como antissemita, fala como antissemita, ela é antissemita. Simples assim.

Tenho um amigo de infância que faz parte da ABJD e nutro o maior respeito pela instituição e seus membros. Sei que ali ao seu lado se encontram pessoas progressistas, muitas de esquerda com alta envergadura intelectual e uma enorme preocupação com o Brasil, sua gente, suas instituições e a democracia. Apreciei muito suas palavras e agradeço muito por ter nos colocado na posição de dialogar.

O Brasil247 dá não só a mim, como ao meu amigo e companheiro Jean Goldenbaum, também um judeu sionista socialista a oportunidade de publicar nossos textos no portal conhecendo nossa vida de lutas por um mundo melhor. O Jean inclusive possui um programa na TV247. Invariavelmente recebemos comentários antissemitas e até de baixo calão de parte de leitores. Todos se dizem de esquerda, humanistas, progressistas e alguns até pedem o nosso banimento. Não estou me referindo a comentários com sugestões, cumprimentos, discordâncias, críticas etc. Algo normal para se ler em relação ao que escrevemos e que todo autor de um texto precisa receber. Estou falando de ataques virulentos e às vezes contendo ameaças a ponto de solicitar que sejam retirados. Isto faz do Brasil247 um portal antissemita? Claro que não.

Não podemos tapar o sol com a peneira e acreditar que toda a esquerda é de paz e amor. O preconceito também existe do lado de cá. Quem transita nas redes sociais conhece bem isso. Mulheres são assediadas em grupos de esquerda. Homossexuais são humilhados em grupos de esquerda. Negros são maltratados em grupos de esquerda. Porque seria diferente com os judeus, não é verdade?

Bem meu caro amigo, mais uma vez obrigado por sua resposta a minha instigação. Fico muito honrado com o que escrevestes e em saber que concordamos na maioria das coisas, podendo respeitosamente discordar de outras. Isto nos faz pensar e mostra que o assunto não se esgota nesta troca de textos, podendo ser discutido honestamente quando cada um percebe qual é a percepção do outro para o tema e pode, mesmo que por alguns instantes, se colocar no lugar dele.