O Judaísmo nunca se permitiu à pregação do próprio Judaísmo, mas voltando-se para dentro, fez resistir aqueles dos quais era tirado tudo e, por isso mesmo, a luta pelo direito individual e social ganha aspectos de valor. A mesma coisa se diga dos constantes processos de extermínio de Judeus, dos quais o último (de proporções inimagináveis) foi o Holocausto.
Aqui aparece algo mais a ser ensinado: tolerância, respeito, igualdade e, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a solidariedade entre os povos. Porque era necessário um movimento de caráter internacional, como o das Nações Unidas, que promovesse convenções internacionais sobre direitos humanos para um novo significado da igualdade entre as pessoas, inclusive Judeus de todo mundo. (Bankier:1982, 11).
Uma igualdade que fosse real, econômica, inclusiva e plena de dignidade humana, e que, sobretudo, partisse do pressuposto de compreensão mútua universal, conforme explica Rehfeld, (Rehfeld: 2003, 279) o que significa não exclusão. O Judaísmo segue com seu monoteísmo compatível com quaisquer outras grandes religiões, e isso deve ser um pressuposto para a solidariedade e fraternidade universais.
O Judaísmo aprendeu em sua longa peregrinação com muitos povos e culturas e desenvolveu uma cultura multicultural, e nisso consiste uma experiência histórica de compreensão do outro. Não é preciso se tornar o que o outro é, por exemplo, Cristão, assim como não é necessário, e nem inteligente, transformar o mundo em um mundo judaico.
O mundo no qual cabe o Judaísmo é plural, e o Judeu deve ser pluralista. Mas, ser pluralista é, antes de tudo, compreender o mundo com sincera compreensão das diferenças e, além disso, saber que as diferenças formam a riqueza da humanidade. A não pluralidade leva à arrogância da única verdade, contra o que faço advertência. Conforme Bonder, essa arrogância da única verdade é violência à Torá, porque se constitui em idolatria. (Bonder: 2001, 167)
E a idolatria é tão contrária ao Judaísmo quanto o fascismo ou qualquer regime de força ou exclusão. Ser pluralista impõe uma atitude proativa a partir do Judaísmo que tem desde as peregrinações dos Patriarcas, uma inclinação pela luta em defesa dos mais fracos e, assim, em linguagem contemporânea, com a luta por direitos civis das minorias, porque esse preceito é central no Judaísmo, a partir da compreensão do amar o próximo, o estrangeiro e ajudar o inimigo (preceitos fundamentais da Torá).
A religião judaica não tem caráter contemplativo, como ensina Lemle, (Lemle: 1967, 151) mas concreto e, desse modo, aplica-se às situações cotidianas. Afirma ele, que o senso de justiça social é indissociável da convicção religiosa, porque o Judaísmo se identifica com a luta humana por direitos.
Sobre a injustiça e a solidariedade, Bernardo Kliksberg, (Kliksberg: 2001, 29) em seu livro A Justiça Social – Uma Visão Judaica, apresenta alguns pressupostos que demonstraram as afinidades eletivas entre Judaísmo e Direitos Humanos. Porque, segundo ele, o amor ao próximo exige que tenhamos um comportamento de fazer e realizar sobre o outro.
Além disso, é preceito fundamental da Torá que não haja pobres e, para isso, a mesma Torá exige atos de solidariedade e acolhimento. Por outro lado, constitui-se injustiça em face da Torá se alguém for excluído, direta ou indiretamente, dos frutos da terra e, mesmo que não haja culpa de uma pessoa, ela está obrigada a ajudar a fim de livrar as pessoas do peso que lhe enfraquece.
De modo resumido, ele os apresenta da seguinte forma:
- O Judaísmo exige o compromisso com o outro e com a ação;
- Para o Judaísmo, a pobreza não é inevitável;
- O Judaísmo tem se preocupado com a injustiça desde as suas origens;
- A sociedade deve intervir ativamente na solução dos problemas sociais;
- Cada pessoa deve assumir responsabilidade frente aos problemas sociais;
- O Judaísmo procura educar o coração para a solidariedade;
- O Judaísmo tem uma proposta contra a pobreza e a desigualdade;
Por fim, Kliksberg destaca uma solidariedade ativa, proativa e combativa, conforme a tradição judaica e, em especial, dos antigos Profetas, (Nangeroni: 2000, 11) e, sintetiza esse movimento ao recordar – e completar, uma análise feita pelo historiador Edward Gibbon, segundo quem a história da humanidade não é mais do que uma série de crimes, de loucuras e de desastres cometidos por nossa espécie. Segundo Kliskberg, (p. 78) isso é verdade, mas não toda verdade, porque além do retrato feito por Gibbon, sempre houve luta para combater tais crimes, loucuras e desastres. É essa permanente luta e combate que amiúde torna-se o elemento caracterizador judaico na história da humanidade.
Dezembro de 2020
Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova
Obs.:
- O presente texto é parte da Tese de Doutorado JUDAÍSMO E DIREITOS HUMANOS: UM ESTUDO DAS CONTRIBUIÇÕES JUDAICAS NA TESSITURA DOS DIREITOS HUMANOS, apresentada, defendida e aprovada no Programa de Estudos Pós-graduados da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, 2020;
Bibliografia Consultada
BANKIER, David (ed.). La Emancipacion Judia. Jerusalém: Publicaciones Monte Scopus, 1983;
BONDER, Nilton e SORJ, Bernardo. Judaísmo para o Século XXI. RJ: Zahar, 2001;
KLIKSBERG, Bernardo. A Justiça Social – A Visão Judaica. Trad. D. Mensch. SP: Maayanot, 2001;
LEMLE, Henrique. O Judeu e seu Mundo. RJ: Ed. B’nai B’rith, 1967;
NANGERONI, Alessandro. La Fisolofia Ebraica. Milano: Xenia Edizioni, 2000;
REHFELD, Walter I.. Nas Sendas do Judaismo (organização de J. Guinsburg e Margarida Goldsztajn). São Paulo: Perspectiva, 2003;