O Brasil já foi o país do futuro, o país do samba e do futebol, e já foi aplaudido por suas conquistas sociais. Hoje é o país do medo e da dor, um país que mete medo em nós e no mundo, pois quase um terço dos mortos diários hoje ocorre aqui. Algumas revistas internacionais de saúde revelam que há um plano de disseminação do vírus, um plano mortífero.

Diante do perigo hoje de ser contaminado pelo vírus, cada um tem reações próprias em função de sua vida. O medo é uma das seis emoções básicas descritas por Darwin, é uma reação diante de uma ameaça externa, daí esse medo também ser definido como angústia real.

As raízes do medo estão no desamparo, palavra que cresceu de importância na Psicanálise. Há quase um século, em 1926, a palavra desamparo passa a ser a origem das angústias de ameaças e perdas. O País está desamparado diante da guerra contra o vírus, a caminho de 400 mil mortos em pouco mais de um ano. Se no mundo a pandemia assusta, com mortes e doenças, aqui tudo é mais assustador devido ao governo.

O medo nasce com a gente e só termina na morte. Os terrores infantis estão vinculados aos sentimentos de desproteção, de ser vulnerável. O temor mais primitivo é perder o indispensável amor materno do qual se depende para nutrição e amor. A criança vive ameaças de ser esquecido, e às vezes isso é realidade. A criança passa por uma longa dependência, o que dificulta a conquista da liberdade. O medo da liberdade integra o ser humano através da servidão voluntária diante do autoritarismo. Também o medo da solidão, da autonomia, pode aglutinar as famílias. Outro exemplo são as massas artificiais, como a Igreja e o Exército, onde há amparo e submissão.

Nosso medo hoje é das pessoas quando se aproximam a menos de dois metros, e pior ainda se estão sem máscaras. Vivemos distantes de familiares, amigos, conhecidos, vizinhos, e no súper a gente busca ir pouco e ser rápido. Tudo porque o vírus precisa de um hospedeiro para viver, e nesse momento no mundo o vírus da Covid-19 e suas variantes já infectaram muitos milhões de pessoas e mataram alguns milhões.

Vivemos tempos traumáticos, trazer o ontem para o hoje é essencial para vislumbrar o amanhã. Hoje vivi uma dessas emoções que preciso compartir. Há vinte anos tive a honra de compartir o livro “A invenção da vida-arte e psicanálise” com os amigos de sempre, Edson Luiz André de Sousa e a Elida Tessler. Nós organizamos um livro de artistas e psicanalistas que está fazendo vinte anos. A capa é uma foto do fotógrafo esloveno Evgen Bavcar, e entre tantos ensaios, trago o de René Passeron, artista e poeta francês: “A arte é o curativo do vazio… a arte é a prática do enfermeiro do vazio”. O vazio que pode nos levar ao desespero, a um desamparo medroso, encontra nas artes um apoio essencial. Artes e parcerias na vida aliviam o vazio, dão sentido à vida e a luta, no meio do maior luto que nosso país já viveu. Luta no luto requer artes e parcerias.

Ontem foi o primeiro apagão de protesto silencioso contra as mortes e o descaso do governo. Foi uma resposta de vida para expressar nossa humanidade. O isolamento social aumentou as depressões e as angústias. Morrer de medo, viver com medo, dominar o medo. Quantas vezes a gente tem medo, e que alívio é conquistar, às vezes, um medo sereno é como conquistar o Everest. Entre todos convém aprender a ter menos medo, talvez dominar o medo, diminuir o tédio criando uma vida no meio das mortes. Arte e Psicanálise podem pouco numa guerra, mas iluminam a escuridão como vagalumes.