Se existe um conjunto de valores que o judaísmo transporta em sua história que por ele é definida e definidora, são os valores éticos. A ética não trata de letra fria de lei. A ética trata de tudo aquilo que começa com “Quero? Posso? Devo?”, questionamentos internos permanentes e indeléveis a qualquer ser minimamente equipado de intelecto que queira pertencer a uma sociedade estável, justa, igualitária, e desejosa de progresso em todas as dimensões harmonicamente entremeadas.
Mais adiante, as questões “Onde? Quando? Como? Por que? Para quê” preenchem de substância moral nossos atos do dia-a-dia.
Pessoas que galgam posições de poder, supostamente são aparelhadas por este exercício constante de reflexão e autocrítica, dado que o poder que exercem, especialmente aquele conquistado de forma meritória e democrática, afeta a vida de seus representados e deixa marcas históricas que falarão pelos representados no futuro.
Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita Brasileira (CONIB) parece mesmo ter desistido da ética, esquecido suas origens (e compromissos implícitos derivados da história), quando, sob o subterfúgio de exercer um duvidoso dever cívico e de “abrir o espaço ao diálogo respeitoso com os diferentes” comparece voluntariamente a um convescote extraoficial com o presidente da República que hoje representa o renascimento do fascismo, da violência institucional e factual, da negação da ciência, o genocídio de seu próprio povo, a irresponsabilidade, a insensibilidade, a ignorância, em uma carreira precedida por 28 anos de puro obscurantismo nos quais propôs, entre outras coisas, que seria necessário à ditadura militar ter matado pelo menos 30.000 pessoas (nos quais se incluía o então presidente Fernando Henrique Cardoso) para “consertar o Brasil”, que era um sonegador contumaz por considerar tal atitude instrumento de defesa contra o estado, que “não estupraria a Deputada Maria do Rosário por que ela era feia e não merecia”, tendo defendido o armamentismo e tendo feito parte de um movimento que criminaliza as correntes políticas à esquerda. Em síntese, não se encontra, em 28 anos de mandato como deputado federal e em pouco mais de dois anos à frente da nação um único ato que se identifique com os valores judaicos – e ao contrário, Bolsonaro cristaliza em sua existência tudo aquilo que se opõe ao judaísmo em qualquer de suas dimensões. Ressalte-se ainda, que Bolsonaro pensa que o judaísmo é uma seita cristã, e apenas por esta ignorância, diz ter alguma afinidade com Israel e os judeus.
Quando Lottenberg comparece ao jantar informal imaginando que pode ser portador apenas de seus interesses pessoais e empresariais, mostra que não é instruído ou não compreende sobre algo que se chama de liturgia do cargo, valor ético que norteia o comportamento de pessoas investidas de cargo e/ou representatividade. Se ele é presidente da CONIB, como tal deve se comportar integralmente quando deixa o seu lar, até o momento de a ele retornar, onde a sua intimidade e desejos estão protegidas pelos nossos valores constitucionais. Mostra ainda que é absolutamente impermeável às lições da história, antiga e recente, com essa pseudoingenuidade de acreditar que Bolsonaro seja alguém apto a um diálogo minimamente racional. Ele não passa de uma versão burra de Hitler.
As posições de poder exigem responsabilidade e conhecimento, pois cada lugar, tempo e função faz parte de um complexo emaranhado de relações pessoais e institucionais, que ao desavisado, incompetente ou arrogante, expõe a condições de riscos e danos de extensão às vezes incalculável, podendo funcionar como estopim ou catalisador de processos às vezes explosivos.
Talvez em nenhum momento da história recente um conjunto de fatores tenha estado presente como naquela noite, em que se relembrava os horrores do Holocausto, em que o Brasil atingia o recorde de mortes (aproximadamente 4.200) em um só dia por uma epidemia que contou com esforços pela disseminação da doença por parte do homenageado da noite, em um momento onde as categorias da saúde encontram-se em estado de guerra e sob trauma grave e intenso Pois foi este o momento que o médico, empresário, judeu e representante da CONIB Claudio Lottenberg escolheu para encontrar e homenagear o líder da maior carnificina já produzida no Brasil, o líder da antimedicina e da anticiência, da antidemocracia, da anti-institucionalidade, um verdadeiro cão raivoso.
Sr. Claudio Lottenberg, o senhor não me representa, e espero que a CONIB tenha a mínima sensibilidade, junto às suas confederadas, de removê-lo do cargo, para que assim provar que há dignidade nesta instituição que já teve sim seus momentos de glória e orgulho para todos nós judeus.