Fui preso em um sábado de outubro, era tarde, quase noite.
Os primeiros cinco dias, fui mantido em uma solitária, cela sem janelas, não se via nada. Mesmo agarrado aos tubulões da grade, uma porta, o mundo lá fora era escuro.
O espaço era espremido, havia um colchão, solitário, no canto direito.
Cheiro de rato. Mantive minhas mãos sobre as grades, grudadas. Dormi um tanto, eu acho, em pé, com fome e cansado.
Ouvi gritos, fortes. Tortura! um preso, talvez em cela próxima. Vou ser o próximo
Tortura, tortura e morte! Durante todos os dias da minha prisão, fui tomado por essa ideia, de ser torturado até a morte. Seria torturado, fortemente torturado e depois, morto. Ou morreria nas sessões de tortura.
Havia poucos exemplos assim, dos relatos das prisões da ditadura. Todos, no dia da prisão, quase todos, eram bastante torturados, apenas o começo da história.
Ouvi passos, entre quase saudar a volta á vida e alimentar o medo.
Pouco antes, imerso no longo tempo da noite, longa noite, fechei os olhos e tentei recompor as horas da manhã do sábado, acho que ainda era a mesma jornada.
Eu estava no Centro Técnico da Aeronáutica, Vale do Paraíba. Lembro da aula de computação, ás nove, a de sempre, umas duas ou três horas depois de um café.
Imaginei o mundo mais longe, minha mãe, sempre tão terna, falava baixo. Desejei que ela não soubesse .
Rodando o filme, tela da memória; as três irmãs, cada uma na sua foto, bonitas, alinhadas, como a mãe dizia. Vi a namorada, linda, carinhosa. Saudade e tristeza. Depois, parentes e amigos, o povo dos meus caminhos.
Tanta gente, nesse mundo. Nunca mais vou ver ninguém
Lembrei da Celinha que sempre me dizia, o tom da advertência: cuidado, não se deixe ser preso. Se te pegarem, vão esmagar teus bagos, com alicate.
A porta se abriu, lenta. Dois homens se postavam na soleira. De repente, estava caminhando no meio dos dois
Longos corredores escuros, que leva à tortura e depois à morte. Por fim, a luz, um pouco de claridade. Consegui entender o significado da dupla.
O que ia atrás, estava fardado, soldado da aeronáutica, segurava uma arma, parecia pronto para atirar e era o mandado. O outro, o da frente, ao contrário da ordem convencional, era o que mandava, até ali. Descobri, muito tempo depois que era sargento, sargento Martins.
Final de todos os corredores. Uma porta, aqui chego ao fim do meu destino, minha passagem;
Sargento bateu, pediu licença e entrou.
Sentado em uma cadeira, quase poltrona e com mesa de escritório, imaginei meu algoz, um Major. Deste, nunca soube o nome.
Disse que eu eu sentasse. Sobre a mesa um sanduiche, meio desembrulhado, ainda com os aromas de coisa nova
Eu estava com muita fome. Fome, cansaço e medo.
Ele me ofereceu. Fome? Pode pegar;
Responde que não, segurando angustia.
Obrigado, eu estou sem fome.
Foi meu primeiro ato de resistência, em tantos que precisei ter nos muitos dias da prisão e depois, na minha vida lá fora.