O que poderia salvar Donald Trump do desastre eleitoral anunciado? Os analistas dos grandes jornais do mundo e universitários “experts” em política norte-americana tentam, nesta reta final, identificar um acontecimento extraordinário capaz de inclinar a balança a favor do presidente. Em vão. A diferença apontada nas mais recentes pesquisas, 12%,  é tal que só mesmo algo inimaginável poderia tirar a vitória de Joe Biden no próximo dia 3.

A situação seria diferente de 4 anos atrás, já que Trump é dado como perdedor no cômputo geral, mas também nos decisivos swing states. Numa eleição “normal”, diríamos que a sorte está lançada e que os democratas voltarão ao poder após os anos mais estranhos da história recente dos Estados Unidos, em que a democracia foi colocada em cheque como nunca e só não soçobrou graças à força das instituições e dos contra-poderes representados pela sociedade civil. Acontece que esta não é uma eleição “normal”.

Estamos diante de um fenômeno com uma carga passional quase patológica. Por isso, um pouco de prudência não faria mal a ninguém. Há 4 anos, sempre é bom lembrar, os analistas diziam que Hillary estava eleita. De qualquer forma, repito, esta não é uma eleição normal.

Como escreve Thomas B. Esdall no New York Times, “Em ambos os campos, muitos encaram estas eleições em termos apocalípticos: elas decidirão do sucesso ou do fracasso dos Estados Unidos. Para a extrema-esquerda, uma vitória de Trump abriria caminho a uma ascensão do fascismo. Para extrema-direita, a vitória de Biden e Kamala Harris significaria a “ascensão do comunismo e a anarquia.”

Na visão do historiador português José Pacheco Pereira, a fratura eleitoral mais aguda nos EUA nessas eleições de 2020 é a que separa os eleitores brancos sem escolaridade de todos os outros. Para os “deploráveis”, há aqui duas perdas: ser branco e já não ter os privilégios de o ser, face aos negros, aos latinos e a todos os “não americanos”; e ser trabalhador manual, não ter um diploma e por isso ser marginal na sociedade, estar fora da elite.

Eles, os brancos sem diploma e raiva de todos os demais, que formam o fiel eleitorado de Trump, são capazes de segui-lo cegamente na pior das aventuras.

Face ao cenário atual, o ocupante da Casa Branca se nega a descartar a opção do péssimo, a tentação de lançar o país no caos. Não é impossível que  na madrugada do dia 4 tenhamos  dois candidatos anunciando a vitória. Até agora Donald Trump agiu como um piromaníaco, recusando-se, ao contrário do seu adversário, a dizer se acatará o resultado das urnas e denunciando uma tentativa democrata de preparar uma enorme fraude eleitoral, através do voto por correspondência. Se perder, não garante uma transição pacífica.

Nesse tempo de pandemia, grande número de americanos prefere votar por correspondência, evitando assim a ida aos colégios eleitorais. A maioria destes, atualmente em quarentena, vota Biden. Por isso, ele imputa ao voto por correspondência a tentativa de fraude.

Uma abstenção recorde seria a derradeira esperança de Trump.

Não se deve descartar uma derradeira jogada de Trump, pois dele pode se esperar tudo, a começar pelo menos recomendável. Em caso de vitória democrata por pequena margem, ele poderá se autoproclamar vencedor, desacreditando a legitimidade da vitória de Biden, do processo eleitoral e da própria democracia americana.

“Se o vencedor não for imediatamente claro, o país mergulhará em semanas ou meses de incerteza”, prevê a revista Time, ao advertir: “Devemos estar preparados para um cenário de caos”.

O jornalista Barton Gellman escreveu um ensaio, publicado no jornal  The Atlantic, em que faz previsões apocalípticas:  “The election that could break América”  – A eleição que pode fraturar a América, em tradução livre.

Donald Trump sabia que para recuperar terreno precisaria evitar que o final da campanha ficasse centrado na pandemia; assim, ficaria de mãos livres para atacar seu adversário no terreno escorregadio das fake news. Mas foi o inverso que aconteceu. Após 215 mil mortos, ficou difícil negar sua responsabilidade na condução da guerra contra o coronavírus. Trump, é claro, não a reconheceu e, assim como seu grande amigo Bolsonaro, tentou jogar o fardo dos mortos sobre os ombros dos governadores. Mas a maioria dos americanos não engoliu a insistente minimização do risco.

Infectado, o candidato à reeleição não pode escapar do assunto e, como quase sempre quando pressionado, cometeu várias gafes monumentais ao encorajar a população: “Não tenham medo da covid.”

Como se o vírus pudesse ser combatido e derrotado pela simples determinação do doente, pela força da vontade. Quis vender a imagem de um herói invencível, passou a impressão de um sujeito desesperado e risível. Ficou refém da pandemia.

A imagem que deixou foi tragicômica. Falando para a sua “base”, Trump subiu à varanda da Casa Branca, num ato político retirou a máscara diante dos apoiadores e imitou a pose de Benito Mussolini com cara de imperador romano e ar de mau. Insensato, prometeu fornecer de graça aos velhos seu remédio milagroso. E para concluir, recusou-se a participar de um segundo debate online: “Não sou contagioso”; disse o charlatão, dando-se ares de especialista em corona.

Foi patético.