A imagem impressiona. No funeral de um rabino ultraortodoxo em Ashdod (Israel), seus seguidores formaram imensa aglomeração. Não seria de espantar se o país não estivesse em lockdown, diante do aumento dos casos de Covid-19. Entre estes religiosos, a proporção de doentes é maior do que na população em geral. Formam uma espécie de Estado paralelo, cujas leis são emanadas de autoridades rabínicas. A lógica, não raro, é de negação da realidade, ou melhor, de criação de uma realidade mágica, paralela, prisioneira de concepções sociais arcaicas, machistas, imobilizantes. Em Israel, mesmo a repressão policial não os convence a respeitar medidas básicas de defesa contra o coronavírus. Se o vírus existe, alegam, com ranço místico, é porque atende determinação divina. Não cabe contestá-la.

O distrito de Brooklyn, em New York, enfrenta um aumento sem precedentes dos casos de sarampo. Parte da explicação tem parentesco com os homens de preto em Israel. Judeus ultraortodoxos, fortemente concentrados na área, recusam vacinar as crianças contra a doença, altamente contagiosa. Muitos se rendem a uma espécie de “fatalismo religioso”: deus é que está no comando, não a vacina. Deve-se aceitar as consequências sem interferir na decisão de “cima”. O resultado é um desastre. Os índices de contágio são altíssimos, o que é facilitado pela elevada taxa de natalidade nestas famílias (média de 8,33 filhos por casal) e a baixa escolaridade secular. Ligam-se, dessa maneira, aos movimentos antivacina que infernizam os serviços de saúde pública e ajudam a matar/incapacitar milhares de pessoas. O deus deles é o deus do sofrimento e do castigo.

Os movimentos antivacina existem desde que se descobriu a primeira, ainda no século XVIII. Na vanguarda da ignorância, sem nenhuma surpresa, clérigos. Em 1772, o reverendo inglês Edmund Massey declarou que as vacinas eram uma “operação diabólica”. No século XIX, o clero português afirmava que gente vacinada recebia o próprio demônio no corpo e suas almas eram roubadas. Entre o povão, espalhou-se o medo de que as vacinas dariam aos vacinados a fisionomia de vaca. Versões mais contemporâneas, embora não menos idiotas, falam de vacinas como vetores de uma conspiração mundial ou indutoras de autismo. Nada que faça o menor sentido. No BNDES, analisei o processo de produção de insulina, na cidade de Montes Claros/MG. Descobri que a mais parecida com a humana é a que vem do pâncreas suíno. Alguém conhece gente que caiu de quatro e passou a dizer oinc depois de tomar uma injeção de insulina? Imagina se os diabéticos vão deixar de se medicar por conta de superstições!

Por que tanta obediência cega a lideranças obscurantistas ? Por que a fé alienante em desinformação e mentira ? Por que a insistência em desconhecer a ciência e a evolução do conhecimento da Natureza ? O Menino passou um fim de semana nas instalações da que viria a ser a Yeshivá de Petrópolis. Uma escola religiosa, inspirada no movimento Lubavitch. Vieram meninos de várias partes do país, quase todos de famílias religiosas. Meninas ? Nem pensar. Neste ambiente, as mulheres são projetadas para obedecer o macho dominante e serem boas reprodutoras.

As lembranças daquele lugar não são boas. Passava-se quase o tempo todo estudando textos impenetráveis, o rebe nem ameaçava sorrir, o clima era pesado. A autoridade era exercida por uma espécie de saber inacessível. Vigorava essa combinação contraditória de temor, fascínio e conforto pela ausência de dúvidas. Como se o universo já tivesse sido decifrado e a chave da compreensão estivesse com o Líder.

Os homens de preto (e uso esse traje como metáfora para dogmáticos de coturno variado) renunciaram ao que temos de mais valioso: pensar. Deixam isso para os “sábios”, o que, como está se vendo, flerta com a ignorância e a Morte.

Abraço. E coragem.