No dia 24 de julho de 2010 a página central do segundo caderno da Zero Hora era: PARAR PARA PENSAR. Essa reportagem foi sobre um ciclo de palestras: “Cinco propostas para não se adaptar a vida como ela é”. Durante cinco noites os psicanalistas Edson Sousa, Julio Conte, e eu falaríamos no Festival de Inverno de Porto Alegre.
No primeiro dia o tema foi o invisível, presente nas religiões monoteístas. Entretanto o invisível também está nas artes como na peça de teatro “Esperando Godot”, de Samuel Beckett; o principal personagem é o invisível Godot.

Também Freud baseou a Psicanálise na invisibilidade do inconsciente, que ele denominou de “outra cena”, a cena que determina o comportamento humano. Essa cena invisível gera efeitos psíquicos como os sonhos e os sintomas. Por fim a questão essencial do amor, que por ser invisível, requer provas de amor. Em todas as relações amorosas, se cobram demonstrações de amor.

Já um governo expressa seu amor ao povo quando defende a saúde do povo, a educação do povo, defende a natureza do país que é do povo. Muitos usam a bandeira do Brasil e dizem que amam esse país. Amam como homens que matam suas mulheres e dizem que o fizeram por amor. O governo executa uma destruição planejada como ocorreu na reunião do dia 22 de abril, onde não houve referência a luta contra a pandemia. Impressionante como em 2010, há só dez anos, o país era festejado no mundo e hoje é desprezado. Não se prestou atenção quando o historiador do Brasil, Luiz Felipe de Alencastro, já em 2005 alertou: “Um possível regresso reacionário estava na mira dos conservadores e dos militares”.

A palavra DESTRUIÇÃO talvez seja a palavra para se pensar o ano de 2020. O Brasil está em guerra, já morreram mais de oitenta mil pessoas, uma guerra invisível, onde ninguém vê e quem vê está quase sem voz. Hoje, para não se adaptar a vida como ela é, a rebeldia deverá crescer. Vem ocorrendo os protestos da juventude, de lideranças, de partidos. O país dos Poderes poderosos, despreza o país da maioria, essa é a trágica história nacional. Contudo, será preciso dizer, cantar, sair do Dó, para o Sol, com afinação num sonoro: NÃO a destruição.

INOMINÁVEL

por Edson Luiz André de Sousa

Cada tempo tem seus inomináveis. Há dez anos quando tive a chance desta conversa tão inspirada com meus amigos Abrão e Júlio , minhas reflexões tentaram cercar esta palavra muito mais perto do que é da ordem do sublime , da utopia e do sonho. Evidentemente, tínhamos também muitas violências para dar conta neste Brasil sempre engolfado por uma amnésia da história, mas parece que tínhamos naquele momento algumas luzes que nos faziam ter esperança de uma mudança de rumo desta história. Fui rever minhas anotações da fala que fiz naquele encontro/ festa que lotou a sala Álvaro Moreyra. Iniciei trazendo uma imagem do filme de John Houston de 1962 “ Freud Além da Alma”. A cena que me detive era o momento em que Freud esta na estação de trem de Viena indo para Paris e recebe de presente do seu pai o relógio que pertencera a seu avô. Nesta cena buscava colocar em pauta o valor da transmissão da história e o valor de uma herança concentrada na simbologia deste objeto marcador de tempo.
Hoje nosso relógio caiu no chão e espatifou. Vivemos um tempo de paralisia diante do horror do cenário político de um país à deriva e que parece ter esquecido que somos sujeitos de linguagem. A violência, o ódio, a estupidez e a ignorância tem nos levado a uma catástrofe inédita: em poucos dias serão 100 mil mortes por uma pandemia viral e politica , destruição assustadora da floresta amazônica e de comunidades indígenas, falência completa e programada das instituições de cultura, educação e saúde deste país. É assustador constatarmos que esta politica chegou ao poder deixando muito claro um projeto de destruição. Estes são os inomináveis de nosso tempo e que vamos ter que nos responsabilizar. O impasse já foi muito bem definido por Samuel Beckett ao nos mostrar que diante destes inomináveis não podemos nos calar. Vamos ter que ir buscar, onde forem, estas palavras.

INCERTEZA

Julio Cesar Conte

Foi uma semana incrível. Tudo que aconteceu naquelas noites ainda reverbera. Os três “in” ainda estão vivos. Desastrosamente vivos. Nos três primeiros dias Abrão, Edson e eu, expomos cada qual a sua proposta. No quarto todos juntos. E o quinto? Sugeri uma performance onde a forma falasse mais do que o conteúdo. A sala disposta em círculo e no centro três cadeiras vazias. Um foco de luz sobre elas. A escuridão envolvendo o público. O sonho era dar vida a indignação sem a presença do indignado. A voz do pensamento que prescinde do pensador. Começamos a perguntar para nós mesmos. O que eu queria dizer com tal coisa? Uma voz perguntando revela lacunas, contrastes, contraditório, absurdo. O pensamento é eterno, in-finito enquanto o pensador é finito, mortal. O público ocupa as cadeiras vazias dos palestrantes, uma força silenciosa se apropria. Entre luz e sombra a noite evoluiu como uma cintilante comunhão ao descentrar a propriedade do saber e a apropriação dos conteúdos.
Corte para 2020 e tudo que era sólido se desmanchou no ar, a peste nos impede de pensar. Autoritarismo faz apologia da ignorância, da estupidez e da burrice. Incerteza ressuscitaria a dúvida contra todas as afirmações psicóticas. Insensíveis frente a dor alheia representada nos “e daí?” multiplicados em automatismo mimético. O Brasil optou pela segurança das milícias espalhando certezas falsas, optou pela ignorância. Atacando o conhecimento científico, a arte e educação constrói um universo de robôs. A ciência se alimenta da dúvida, a arte é expressão da incerteza, e a educação mira o futuro que é sempre incerto. Todas compõem a saúde de um povo atacado pela peste, pois a certeza se impõe em relação vertical do poder arrogante, desemboca em preconceito, discriminação e injustiça. Doses homeopáticas de incerteza serviriam para suportar novos