Carpintaria

 

Nas férias de julho, lá pelos anos 60/70, esperávamos ansiosas pelo carpinteiro, o Sr. José Pedro, um grande contador de histórias. Papai o contratava para a fabricação de gamelas, [grandes pratos de madeira para alimentar o gado]. Durante o dia, o oficio era executado com esmero, ora ou outra a gente se aproximava para conhecer o trabalho e recolher uns pedacinhos de madeira que sobravam para serem mesas, cadeiras, camas de nossas casas de brinquedos. Nossas bonecas eram de sabugos ou de pano feitas por mamãe. Eram lindas! As bocas sempre vermelhas como o batom que ela usava. Tempos que sinto saudades…

 

Após a lida do leite, dos queijos, das louças lavadas, todos e todas banhados com o sabonete alma de flores, sentávamos na varanda da casa para ouvirmos histórias encantadas. O Sr. José Pedro não era só carpinteiro profissional de objetos de madeira, ele era carpinteiro da palavra. Nenhuma história era contada sem gestos, sem o corpo ficar em movimento. Nossos olhos brilhavam, as gargalhadas infantis ou as lágrimas encerravam as noites daqueles tempos ditosos e felizes.

 

Também tinha em seu repertório histórias de assombração. Mamãe sempre pedia que não contasse muitas para que eu não fizesse xixi na cama. Eu sempre fazia. Talvez por isso tenho uma paixão pelos contos de Edgar Allan Poe e já escrevi três novelas e nunca publiquei.

 

Fui uma criança feliz, mesmo tendo vivido a maior parte do tempo longe de meus pais, porque precisava estudar. Posso dizer-lhes que saí de casa aos seis anos e nunca mais voltei. Meus retornos eram nas férias e feriados. Mas eram tão lúdicos que parecia a eternidade. Papai sempre preparava os balançadores, as pedrinhas que encontrava nos riachos, as burras leiteiras, as galinhas de pereiro [brincadeiras da natureza]. Mamãe fazia doces, bolos, sequilhos, e uma das coisas que eu mais gostava de fazer era quando me dava a tarefa de colher ovos. Eram os tesouros a serem encontrados. Fico pensando em meu neto e netas com seus tabletes nas mãos.

 

A carpintaria exerce em mim um fascínio. Seja a arte em esculturas ou a construção de um texto. Exatamente como esmerilar. A palavra se torna sagrada quando exerce a função de historiar a vida, os mundos distantes… Hoje, quero agradecer a possibilidade, com muita humildade e dizer que o senhor José Pedro, meu pai e minha mãe foram os meus professores de sonhos e carpintaria.