Um dia Cabral ensinou fazer poesia
Dizendo em um verso:
“Catar feijão se limita com escrever”
Foi uma aula para vida inteira.
Mamãe fazia com o feijão
O que Cabral fazia com as palavras
Os dois em lugares tão distantes…
Ensinaram-me exatamente, que poesia e feijão alimentam
Nunca tive apetite para comida, mas amava os livros
Mamãe fazia “capitão” algo como um bolinho de feijão
E goela adentro. Não fiquei desnutrida.
Esperneava, trancava os dentes. Nada adiantava, engolia.
O cuidado e a voz “já comeu?”
Acompanharam-me até o último dia em que ela respirou. Nunca descuidou.
Eu respondia que havia comido uma fruta.
Até hoje é assim, tenho dificuldade com alimentos
Mas as frutas são minha alegria e me salvam de inanição.
Hoje pensei nos poetas que estão partindo.
Com seus alguidares
Deveria ser proibido morrer
Mas todos falam: “É a grande certeza da vida!”
O estranhamento continua. A única incerteza é o dia.
O convite não vem pelos correios e nem por e-mails
Simplesmente chega de supetão com a cara deslavada
E na sua indiferença de sinto muito,
Você é o convidado do dia.
A dor se espalha, lembramos por muitos dias, depois quando ouvimos ou lemos uma música, um poema, um artigo, voltamos as lembranças.
E o velho tempo vai se encarregando de suas ocupações e quando menos esperamos já é sexta-feira.