Meu corpo arrastava duas crianças, uma de um ano e outra de três. Estava em uma cidade nunca vista pelos olhos. Um lugar estranho de ruas ora estreitas ora que se alargavam conforme eu as olhava. Ali estava para visitar uma amiga inesperadamente. Ela tinha três filhos em sequência de anos. No momento deste relato, eles miúdos e o que me assustou foi exatamente tê-los conhecido na adolescência. A infância foi um traço distante. O tempo cronológico desse enredo fez uma retrospectiva e instalou-me nessa realidade. Ela ainda estava com o pai de seus rebentos, hoje divorciados.
Ele resolve nos levar ao teatro municipal para um musical. Entramos apertados uns nos outros por uma gigante porta, que só nos dava um pequeno espaço. Sentamos nas cadeiras enfileiradas. O teatro estava tomado por pessoas de várias nacionalidades. Pude perceber pelos semblantes e trajes típicos da cultura de cada país. Aquilo enchia-me os olhos, que inquietos buscavam entender o porquê de tantas cores e sensação do desconhecido.
O espetáculo começou. Silêncio total na plateia. Ouvia-se apenas a cadência da respiração ora com profundidade ora entrecortada.
No meio do espetáculo, o marido fala baixinho para nos apressar, que alguém havia sido assassinado e teríamos que sair pela porta lateral sem sermos notados. Ao sairmos, caímos em um brinquedo que se reproduzia em cores, formatos e velocidades. A sensação foi, talvez, a experiência de Alice no país das maravilhas. Houve um espanto por todos nós e uma voz de comando disse apenas: equilibrem-se!
Robélia e o esposo dividiram as crianças, dois com o pai e uma com ela. Eu, em cada braço segurava um, que logo adormeceram estranhamente. O menor com a cabeça por trás do ombro direito, o mais velho, com a cabeça pendurada no lado esquerdo e segurado por um barbante atado ao meu braço. Na velocidade dos brinquedos que mudavam de momento a momento equilibrava-me com os garotos com o cuidado de não cair.
Havia inúmeras pessoas fugindo de alguma coisa, os semblantes inquietantes, febris, assustados mostravam-me que algo estava acontecendo. Não podia pará-los para saber o motivo. Não podia perder o momento que teria que pular de brinquedo. Rígido, o meu corpo de espanto e o coração acelerado, com os filhos pendurados em meu corpo como asas, buscava não perder de vista os amigos. Havia vários sentidos, cores que indicavam a velocidade seguinte. Nada sabia sobre aquilo. Era tão nova a experiência que me sentia em um caleidoscópio. O medo segurava as minhas mãos que apertavam os dois meninos, filhos meus.
Em uma movimentação brusca perdi o equilíbrio e os amigos sumiram de minha visão. Fiquei totalmente sem bússola naquele estranho lugar em que as cores mudavam, se multiplicavam em fragmentos. Teria que reagir e buscar a perfeição do universo. Agarrá-lo sem constrangimento dos olhares daqueles rostos que me reprovavam por ter caído por um instante. Levantei-me e a sequência se tornou um vazio. Todos tinham desaparecida da nova cor que surgia. Via de longe em outra pista gente que surgia em minha direção. Fiquei apavorada e o sono das crianças era tão profundo que se quer ouvia o respirar de cada um. Catatônicos.
Alguém com um rosto desfigurado ajudou-me a pular para um outro brinquedo. As crias continuavam nas posições inversas e inertes. Não sentiram o meu desespero. De repente, ouvi uma voz de uma pessoa que conhecia e não a via há muito tempo. Reconheci pela voz esganiçada que doía os tímpanos à época de meu trabalho. Um susto alivioso. Queria ajuda, não suportava o peso das crianças e as direções dos brinquedos. Perguntei se tinha visto Robélia, ela falou que não a conhecia. Eu gritava para ela poder me ouvir. Descrevi minha amiga, mas nada era percebido no movimento do mundo. Ela apenas se ofereceu para me ajudar pular na próxima mudança, era um brinquedo roleta, perigoso e uma ajuda era necessária. Queria pular para uma rua, ela teria que continuar. A tarefa do partido exigia disciplina, ela gritou. Ao nos encontrar por décimos de segundos, ela me empurrou, só assim poderia me livrar da sinfonia frenética que conduzia os meus pés sem destino. Meu corpo foi lançado em voo livre. Caí em cima de muitas folhas do outono, a queda foi suavizada. Meus filhos acordaram. Coloquei o menor embaixo de uma grande árvore e desatei o nó do outro em meu braço, libertando-o totalmente. Segurei com firmeza suas mãos pequenas e sumi no nevoeiro. Acordei.