Sonhador foi o Homo erectus, que conquistou o domínio do fogo após vê-lo na natureza. Sonhadores foram os que pregavam a Tzedaká, palavra hebraica derivada de Tzedek, justiça. Numa tradução mais exata, é a justiça social, pois exige do homem uma ética de doação aos mais necessitados. O Profeta Isaías (2,4) sonhou com a paz, disse que as espadas serão transformadas em lâminas de arado, e as lanças em foices. Imaginar a transformação é viver a metamorfose, a capacidade de brincar, transcender a realidade traumática. O Sonhador não está fora da realidade, porque ele pensa outra realidade possível, e foi assim que dominou o fogo, criou a roda, e foram as pinturas rupestres que deram início as artes. Sonhar emociona, e tanto a incerteza como o invisível alimentam o entusiasmo de caminhar em busca de novos horizontes.

Entretanto, não se pode esquecer o quanto a condição humana também é cruel, ela existe e surpreende na sua máxima: “Odeio, logo, existo”. São os que apregoam matar trinta mil, defendem a tortura e não sofrem ao ver morrer os desprotegidos. Num país distante vive um gabinete dos terrores, sustentado por Forças Desalmadas; o mundo o define como um governo genocida ao desorientar o povo na pandemia. Já são quase 50.000 mortos, são mais de 50.000 famílias enlutadas, e não se sabe ainda quantos milhares irão morrer. É um espanto que o Ministério de Saúde tenha gestores militares despreparados, pois os ministros médicos foram demitidos. É o terror no poder, que ao serem questionados pelas mortes só dizem: “E daí?” com insensibilidade e lavando as mãos frente à maior tragédia do país.

Os sonhadores, por sua vez, não são perfeitos, longe disso, têm conflitos, ódios, são seres humanos. Felizmente não desenvolveram a crueldade dos racistas, dos extremistas que vivem em guerra e amam as armas. O homem não é só Homo sapiens, como em geral se diz, mas é também Homo demens, que expressa uma frieza canalha.
Por tudo isso há os que desanimam, afinal o confronto entre o sonho de amanhã e o pesadelo de hoje são forças desiguais: um tem a poesia, a música, o amor, e o outro tem a violência e tudo pelo dinheiro. Outro dia recebi a mensagem de um velho amigo se dizendo cansado, mesmo sendo idealista a vida toda. Seu cansaço expressa o desencanto, a desilusão nas mudanças, ao perceber que o mundo é mais excludente que inclusivo.

Hoje, mais que nunca, é preciso apostar na Geração 20, e esse desafio poético se pode ler em Wordsworth: “Dar o encanto da novidade a coisas do dia a dia e suscitar um sentimento análogo ao sobrenatural, despertando da letargia do hábito a atenção da mente e direcionando-a para as belezas do mundo que está diante de nós”. O encanto da novidade é a metamorfose, e uma das belezas do mundo é o humor que abre a janela da graça, que está junto a ampla janela das desgraças. O humor não nega a realidade, ele é um bálsamo, alivia a dor, é essencial para não se cair no fundo do poço. O humor é rebelde e todas as ditaduras odeiam os humoristas, até o poder de uma só charge.
Agora o cartunista Aroeira está sendo ameaçado, pois fez charges com a cruz vermelha da saúde transformada em suástica. A reação dos humoristas foi imediata e dezenas fizeram charges a partir da cruz da saúde, pois o presidente mandou invadir os hospitais. Os humoristas sonhadores permitem sorrisos entre lágrimas; lágrimas pelos mortos e suas famílias, o país já é um dos piores do mundo no combate à pandemia, o inferno de Dante é aqui. Os herdeiros da escravidão festejam o poder conquistado com fakenews, e desprezam a democracia. Importante são os artistas, os jovens, os negros, os índios na defesa da Mãe Terra.

Os sonhadores despertam,
encantam os desencantados,
aquecem a luta nesse inverno.
Lutam para não se adaptar ao inferno