O poeta pediu para não perguntar por quem os sinos dobram. Os sinos deveriam tocar pelos mortos, mortes que foram antecipadas pelas ciências da medicina, Hoje toda verdade é castigada, e os noticiários, diariamente, silenciam as dores com a frieza dos números. Anunciam as mortes com gráficos que nada sentem. O governo ri, alguns dançam, muitos não acreditam, e depois lamentam. As milhares de mortes foram desprezadas por forças desalmadas. Aliás, um dia será escrita a história dessas Forças, pois elas existem para defender a sociedade, mas estão unidas às agressões do poderes poderosos. Hoje impera a velha eugenia na qual morrem os desprezíveis, os fracos, os velhos. Num passado, nem tão distante, o nazismo matou milhões de judeus, doentes mentais, ciganos, e rebeldes. Todos foram considerados nocivos à raça ariana. Hoje atacam os índios, os pobres, os negros.

É impossível expressar em letras, pois elas não expressam os sentimentos dos familiares, amigos e vizinhos dos mortos. As palavras não exprimem as lágrimas dos pais de filhos mortos, como os pais de João Pedro de 14 anos assassinado. Choram avós, netos, tios e tias. Só se sabe o nome e sobrenome de um ou outro morto, como a do poeta Aldir Blanc. Dizem que já morreram vinte mil e irão morrer muitos mais. Escrevem estudiosos que são três mortos para cada um anunciado pois muitos não são diagnosticados. Deveriam morrer muitos pela infecção viral, mas nunca morrer tantas e tantos por descaso dos Cinco Poderes.
Tudo que se escreve não alivia o peso das sombras fúnebres e os sons emudecidos dos sinos. Um sentimento de mundo começa a crescer, contrário a cumplicidade com a crueldade. Os sinos íntimos tocam alguns corações e perguntam por quem eles tocam. Os sinos estão guardados em caixas empoeiradas.

E as televisões diluem as razões de tantas mortes, ocultam sobre os motivos de morrerem mais de mil por dia. Trocam de ministros da saúde sem pudor , gerando o caos na defesa da vida. O mundo divulga quem é o pior líder mundial da pandemia mas a notícia se perde na infodemia atual. O poeta Ferreira Gullar escreveu que morrem quatro por minutos nessa América Latina, mas hoje poderia escrever que a cada noventa segundos morre um ser humano neste país. Há indiferença nos corações congelados, muitos só pensam no dinheiro perdido. São sempre os outros que morrem. E a maioria dos mortos são pobres, sem água encanada, ou máscaras de proteção. Os mandatários fazem política, cuidam dos familiares, e seus apoiadores.

Saudades das batidas dos sinos marcando o horário de uma missa a que nunca fui. Os sinos têm sons para avisar um incêndio, avisar uma procissão, um nascimento ou uma morte. Quando os sinos tocavam uma canção fúnebre, era possível saber se quem morreu era homem ou mulher e até a hora que seria o velório. Gostaria de escutar os sinos dobrando de dia e de noite, a cada noventa segundos, uma para cada morte. Quem sabe assim os corações voltassem a se descongelar, em respeito aos sofrimentos dos que não podem enterrar seus mortos.

Em tempos distantes os sinos das igrejas tocavam cânticos fúnebres e perguntavam por quem os sinos dobram. Ou, em outras palavras, quem morreu? O poeta que pediu para não se perguntar por quem os sinos dobram foi John Donne(1572-1631). Ele revelou em seu poema “Meditação XVII” a conexão entre tudo que existe:“Nenhum homem é uma ilha inteiramente isolado,…a morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.