Se as palavras são prata, o silêncio é ouro. Essa frase integra a sabedoria mundial, pois o silêncio é essencial. Já numa análise é preciso também uma atenção que flutue mesmo em tempos de atendimento por watts. Escutar quem fala de forma descontraída, sem impor, nem interromper. Aprender a escutar é um desafio e tanto, mas só assim se pode irromper uma palavra-chave. Um exemplo ocorreu quando um amigo falava de suas dificuldades e de como, às vezes, ficava desesperado. Num momento da conversa, reagindo a algo relacionado à palavra “fundações” de uma casa, ele acrescentou a palavra alicerces. O alicerce é o maciço de alvenaria, sobre o qual se assentam as estruturas externas de uma construção. O alicerce foi como um “Abra-te, Sésamo”, porque começamos a falar dos alicerces da personalidade. Alicerces podem ser pensados como as identificações com os progenitores, por exemplo.
Tem pais que não acreditam muito em si mesmos e não passam confiança, segurança aos filhos. Então, eles podem desenvolver uma baixa autoestima, ter alicerces pouco seguros. Ao contrário, quando os filhos se sentem mais amparados, mais festejados, adquirem mais confiança. Quando os alicerces não são bem construídos nos primeiros anos, isso pode criar dificuldades, mas eles podem ser edificados ao longo da vida. Quando escutei a palavra “alicerce” percebi que ela me tocou, e disse ao amigo que aí estava uma palavra essencial. Ele conectou a palavra “alicerce” a como sua casa da infância, ao ser reformada, ficara pela metade. Não completaram os alicerces da obra, seus pais se desentenderam, e aí se abriram as portas de histórias meio esquecidas.
Às vezes, uma frase toca a alma, não como alívio, mas como um maltrato. O neurologista escritor Oliver Sacks, em seu livro autobiográfico “Sempre em movimento”, nunca esqueceu uma condenação de sua mãe. Ela, ao saber que ele tinha inclinações homossexuais, disse: “Quisera que você nunca tivesse nascido”. Essa frase o perseguiu por anos, e às vezes essas palavras sangravam no jovem Oliver. Tentou entender o conservadorismo de sua mãe, e no final da vida pôde se aliviar e ainda ser grato a ela pelo que fez de bem a ele, bem como ser grato a seu pai e à vida em geral. Precisou de quase meio século de tratamento psicanalítico, mas conseguiu escrever, trabalhar, amar.
Poucas passagens do Hamlet de Shakespeare me tocaram tanto como a conversa entre os amigos e o príncipe no III ato, cena 2 da peça. Os amigos foram enviados pelo rei para investigar o que sabia Hamlet sobre o assassinato de seu pai. Este percebe que eles desejavam extrair dele seus segredos. Então, ao escutar o som de uma flauta, o príncipe propõe a um deles que a toque, e este disse não saber. Hamlet insiste dizendo que é fácil, e, frente a nova recusa, exclama: “Pensais que sou mais fácil de tocar que uma flauta?”. Tocar a alma de alguém, deixar-se tocar em sua alma, é essencial nas relações humanas. Ser grato aos que somam na vida faz bem e assim aceitar que a gente é uma pessoa por meio de outras pessoas.
Criar um clima descontraído numa conversa facilita a difícil existência. Por exemplo, numa análise, a pessoa vai descobrindo alguns dos mistérios da história dos seus desejos. Na análise, como numa odisseia, vai-se em busca de aprender quem se é e como se amar e amar. A viagem é atravessada por desejos inconscientes, as identificações, o ontem, hoje e amanhã. Há muito para se conhecer, e as viagens para seu interior requerem tempo e paciência. Aos poucos se pode mudar um ponto de vista marcado pelo peso para uma visão com mais leveza. A palavra “alicerce” ajudou esse amigo a revisar sua história e assim ver mais claro a existência. Um dia estava limpando os vidros de meu carro e um analista ao ver disse: “Querendo ver mais claro”. Essa frase me tocou, na verdade foi uma boa interpretação. Enfim, o título no gerúndio “Aprendendo a escutar” é porque na vida se aprende sempre; a não ser os que pensam já saber tudo.
P.S. Dia 26 domingo, às 16 horas, farei a última live sobre o “Humor é coisa séria”.