por Jean Goldenbaum
Carxs amigxs, gostaria de relatar a vocês o interessante contato que tive a oportunidade de travar na última quarta-feira (01.03) com Eugênio Aragão, jurista e advogado, brevemente Ministro da Justiça de Dilma em 2016 e membro do Ministério Público Federal de 1987 a 2017. Este encontro se deu através de uma live realizada pelo coletivo ‘Deutsche Initiative Lula Livre’ (Iniciativa Alemã Lula Livre), do qual sou membro.
Em um papo descontraído e muito interessante, Aragão discorreu inicialmente sobre as possibilidades de afastamento do catastrófico atual presidente da república. Defendeu sob uma ótima jurídica o argumento de que o impeachment não seria o melhor caminho, nos explicando que pelo fato de o processo ser lento e duradouro, o atual presidente se utilizaria de todas as táticas sujas possíveis para boicotar o processo e manter-se no poder, como corrupção relativa a posicionamentos, subornos, chantagens etc. Ele não se portaria de maneira republicana e educada, como o fez Dilma. Concordo plenamente com Aragão.
Uma opção mais rápida e simples seria a renúncia. Esta, por sua vez, só se daria caso os militares “colocassem a faca na garganta” do cidadão e o obrigassem a renunciar, garantindo-lhe uma porção de vantagens pós-renúncia. Neste caso, muito provavelmente, uma ditadura militar estaria de fato instalada no Brasil. Todavia, Aragão acredita que isto não acontecerá, pois do jeito que o país se encontra em termos políticos, econômicos e sociais, nem mesmo o Exército deseja assumi-lo.
A terceira – e única realmente viável – possibilidade de nos livrarmos do presidente fascista, seria a concretização da denúncia-crime encaminhada pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello (que, diga-se de passagem, está longe de ser um dos nossos). O “líder” do país seria então afastado por 180 dias e isso nos daria tempo e condições para arquitetar alguma maneira de impedir que ele retornasse. (É claro que também nessa situação Mourão assumiria, e teríamos de lidar com o militar… Mas, um coisa de cada vez.) Para a notícia-crime ser aprovada o caminho não é longo, mas encontra alguns obstáculos: cabe ao Procurador-Geral da República Augusto Aras dar seguimento ao processo. Mas este cidadão foi nomeado pelo próprio presidente, ou seja, eles são “amigos”. Nossa esperança é uma traição ou algo do tipo.
Após este, perguntei a Aragão, a respeito da necessidade de uma frente ampla por parte da Esquerda, indagando o quão essencial é a união e a unidade da Oposição no combate ao Fascismo que tomou o país. Transcrevo abaixo alguns trechos de sua ampla resposta, que achei bastante rica.
Sobre as propostas da Esquerda:
Veja bem, a Esquerda está atuando. Eu mesmo ontem participei de uma videoconferência aqui com todas as bancadas do Senado e da Câmara do PT, juntamente com o Lula e outros, para justamente a gente começar a colocar as coisas nos trilhos. E temos várias propostas. O PT está cheio de propostas. De renda mínima, de fortalecimento da agricultura familiar, e essas coisas todas que vão aparecer.
E então sobre o problema que, pessoalmente muito me incomoda: o roubo do crédito de benfeitorias, por parte dos Fascistas. Aragão confirma o problema, vejam:
O problema hoje é que a esquerda sofre ainda um claro boicote. Pode ser que as bandeiras da esquerda sejam por oportunismo aproveitadas pelos conservadores, o que já está ocorrendo, e a Esquerda acabar ficando sem as suas bandeiras porque elas vão sendo absorvidas pelos conservadores.
Ele segue, a respeito do boicote da mídia sobre a Esquerda:
Fora isso, temos um boicote sistemático da mídia em relação às propostas da Esquerda. A mídia não fala nada. Tem muita coisa acontecendo entre os partidos de Esquerda, mas não há uma linha a respeito disso. É um silêncio combinado. Contra o PT principalmente, mas contra todas as forças de Esquerda. Ou seja, fizeram um “cala a boca”. Eles querem nesse momento que o Centrão seja o grande protagonista: Maia, Alcolumbre… “A Esquerda não tem nada a oferecer” – é essa a visão da grande mídia brasileira. Então há um problema de falta de espaço, de dificuldade de comunicar as suas ideias. A Esquerda acaba se fechando na sua própria bolha, entre os próprios esquerdistas e trocando mensagens entre eles, impedindo que a Esquerda vá para fora. E isso é algo, me parece, sistemático.
E finalmente sobre a questão de uma frente ampla, um trabalho em conjunto com os outros partidos de Esquerda:
Então não é uma questão de que a Esquerda esteja parada. Essa não é uma percepção real. A Esquerda está se mobilizando. E aliás tivemos nessa semana, na segunda-feira (30.03), um fato muito alvissareiro, que foi aquela declaração que saiu em conjunto, juntamente com Ciro Gomes, Haddad, Boulos, e com outras figuras proeminentes, mostrando uma tendência a voltar a conversar. E o Lula mesmo já deixou isso muito claro. Esquece as eleições de 2018. Vamos trabalhar daqui para frente. E o Lula é o primeiro a estar pregando isso. Precisamos da união das Esquerdas. Tanto é que, anteontem (30.03), nós tivemos também uma videoconferência com os presidentes de todos os partidos políticos de Esquerda – inclusive da Rede. Está todo mundo junto e foi esse movimento que permitiu a gente redigir aquela notícia-crime que foi subscrita por todos os partidos de Esquerda. Então há já essa tendência das forças de Esquerda a voltarem a conversar entre si. Não tem outra saída. Ou a Esquerda se organiza em bloco para enfrentar os conservadores – que vão fatalmente por oportunismo tomar as suas bandeiras –, ou a Esquerda desaparece do cenário político.
A parte mais interessante da fala de Aragão foi a final. Concordo plenamente com ele e espero que sua voz seja parte de muitas vozes do mundo da política que também pensem desta maneira:
Acho que ela (a Esquerda) tem que radicalizar o discurso. Tem que radicalizar porque ela não pode ficar dando tapinha nas costas de Rodrigo Maia, assim “o que nós queremos você também quer, então estamos agora no mesmo barco”. Não, nós não estamos no mesmo barco. Nós queremos uma renda mínima para as famílias, e 600 a 1200 é muito pouco. Nós queremos que as grandes fortunas sejam confiscadas pelo menos em 10% cada uma para vencer essa crise. (…) Nós queremos que o governo habilite novamente a agricultura familiar, como a do MST mesmo, que produz e produz muito. Que ela seja novamente capacitada a distribuir para a população necessitada alimentos. Nós precisamos distribuir alimentos.
Então me parece que é isso que a Esquerda tem que fazer hoje. Ela vai ter que radicalizar seu discurso. Ela não pode ficar no mesmo barco do Centro, que vai tentar usar as bandeiras mais “moderadas” da Esquerda por oportunismo.
Perfeito. É hora de radicalizar e não de se irmanar aos “menos inimigos”. Maia não mesmo. E mais: ouvir um ex-Ministro da Justiça afirmar que as grandes fortunas devem ser confiscadas em pelo menos 10% é música para os meus ouvidos. Até quando aceitaremos os bilionários e multimilionários rindo ao assistir a população morrer de fome e doenças (seja em época de Corona ou não)? Precisamos já de confisco e impostos altíssimos sobre o topo da pirâmide que possui juntamente um valor que ultrapassa o trilhão de reais.
Por fim, Aragão tocou no assunto das longínquas eleições de 2022:
Então este é o cenário que estamos vivendo, mas estou achando até que essa crise está nos permitindo uma reaproximação, o que é bom, pois no pós-crise o cenário político vai ser outro. E o PT hoje tem plena consciência que em 2022 não necessariamente será o cabeça de chapa das eleições presidenciais. É tudo uma questão de se conversar. Por exemplo, o Dino, governador do Maranhão, é um excelente nome para candidato a presidente da república. Ninguém tem nada a opor. Mas a gente discute até o Ciro Gomes, se for o caso. Nesta altura o que você tem que fazer é viabilizar um discurso que saia deste ramerrame conservador fascista. É voltar fazer as forças políticas conversarem entre si. Nós não precisamos ter um presidente da república progressista, no sentido como nós entendemos. Porque ter um presidente da república progressista no próximo mandato, provavelmentee é a prorrogação dessa crise. Nós precisamos de um presidente da república que coloque novamente a política nos eixos. E pode ser até um “conservador progressista”, um centro-esquerda, pode ser. Não precisa ser um de nós. Provavelmente será mais efetivo em criar uma concertação do que nós. Então a gente tem que pensar, acho que todas as propostas estão abertas, mas a Esquerda está se conscientizando de que ela precisa se reorganizar.
Concordo com ele em alguns de seus pontos, como a questão de o PT não necessariamente ser cabeça de chapa. Mas discordo do argumento relativo à ideia de um presidente progressista. Acho que um presidente progressista seria perfeito a qualquer momento. Agora, em meio à luta contra o Neonazifascismo, mais ainda. Outra coisa: Dino, sim. Ciro… complicado. É provavelmente o cara menos confiável de todo este cenário. Com ele nunca sabemos onde de fato estamos pisando. Por isso sou contra tê-lo como candidato de Esquerda (se é que ele é de Esquerda…).
Além disso, não penso que devamos vislumbrar as eleições de 2022. Podemos mantê-las em mente, sim, mas estou convicto de que a prioridade agora é arrancarmos o alucinado presidente do poder. Em 15 meses de governo seu estrago já foi imenso. Quatro anos talvez seja inconsertavelmente destrutivo ao Brasil.
Enfim, quis trazer a vocês este bate-papo e algumas reflexões pessoais, afinal é sempre positivo conversarmos com os homens e as mulheres que estão diretamente envolvidxs com as pessoas que podem mudar o rumo do país. E nós, ativistas, militantes, civis, cidadãos, devemos nos aproximar o máximo possível deles e delas, perguntar, indagar, se envolver, afinal a história das mudanças das sociedades sempre passou por nós. E no século XXI nossa ação parece mais necessária do que nunca.