As crianças falam do vírus sobre o qual aprendem na escolinha e passam gel com álcool nas mãos. No meio de um whats o amigo me pergunta: “E o vírus?”, e alguns até já sonham com o vírus. Em mais de cem países o coronavirus se faz presente e aumentam os infectados, os doentes e até mortos.Campeonatos esportivos são suspensos, escolas e universidades são fechadas, a crise sócio-econômica cresce. Há muitos anos o mundo não vivia um trauma dessas proporções, já falam até do “maldito ano de 2020”.

Trauma é um choque violento, um acontecimento tão intenso que as pessoas traumatizadas não conseguem responder de forma adequada. Trauma é um afluxo de excitações que supera a capacidade de absorção psíquica, gerando efeitos de intenso sofrimento. O aparelho psíquico – alma na poesia – sofre traumas de fenômenos da natureza, das separações, das doenças de amor e do ódio, entre outros. Do nascimento à morte, há marcas mnêmicas dos traumas. Agora, quando o mundo é atacado por um vírus, há um trauma mundial que também se conecta à vida de cada um.

Cada pessoa reage com maior ou menor medo ao bombardeio de notícias pelas mídias. Temporariamente a humanidade está enlouquecida, pois ao dormir e acordar só pensa em doença, lê, vê, escuta, avidamente sobre a nova gripe. O vírus invadiu a realidade psíquica, a paranoia está à solta, pois já não se pode nem dar as mãos, não se pode beijar, não se pode nem conversar em grupos nas ruas (orientação na Itália).

A angústia automática tem origem num desamparo acentuado. É uma sensação de perigo eminente, um sentimento de estar ameaçado, desorientado, perdido. Aliás, a palavra desamparo é uma palavra-chave para se entender o ser humano. Toda pessoa está submetida à situação de desamparo e a história humana é a história de como foram sendo enfrentados os diferentes desamparos. Desamparos gerados desde o nascimento, a dependência absoluta do bebe. E tem os fenômenos da natureza, as doenças e mortes além das tensas relações humanas. Esse desamparo psicológico, uma ausência de apoio, expressa a falta de garantias diante das incertezas. Somos vulneráveis. Esse clima de desorientação e de ameaças mortifica a vida, aumenta o sofrimento masoquista. E assim as pessoas podem chegar ao pânico como o vivido hoje.

O mundo está submetido às notícias do famoso vírus, o mundo gira em torno da nova ameaça. Médicos infectologistas alertam para o trabalho da mídia e dos governos no excesso de alarme.
Ainda bem que muitos conseguem atravessar a ponte do desamparo, aceitando as dificuldades sem terror, sem exaltar a dor. São os que melhor suportam as frustrações. Uma amiga me disse que agora a gente deve se cumprimentar com o piscar de olhos e me piscou sorridente. Um brasileiro já afirmou: “quem suporta o ódio do B4(pai do B1,B2,B3) tira de letra o C19”.

Outros vírus passaram e esse vai passar. Vencer o vírus é um desafio, seja o A, B, ou C, todos eles têm um tempo de crescimento, e depois irão decrescer. A luta da humanidade, os conhecimentos adquiridos diante de bactérias, vírus, ódios e doenças vão sendo enfrentados pela nossa humanidade. Um dia, apesar do cansaço, voltaremos a nos abraçar e beijar. Sim, um dia o amor ao próximo voltará para diminuir a crueldade. Um dia ainda vamos recuperar o sorriso do entusiasmo. Talvez já se possa treinar aqui no virtual, pois a arte, a cultura parecem frágeis, mas elas são balsâmicas.

O escritor e médico Fernando Neubarth se referiu aqui no face às palavras balsâmicas. Bálsamo são resinas extraídas das plantas que geram efeitos antinflamatórios, combatem as gastrites e outros males. Fiquei sonhando com as palavras que ajudam no combate ao pânico. Indispensável a união de compartir aqui nas redes fortalecidas que amparam. Não faltam leitores balsâmicos para os que precisam escrever. É preciso pensar no conceito africano “ubuntu”, algo como fraternidade. O provérbio zulu é: “Umuntu ngumuntu ngabantu”- “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”