A FIERJ – Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro homenageou o prefeito carioca, bispo Marcelo Crivella, concedendo-lhe a medalha Amigo da FIERJ. Impopular, considerado por muitos cariocas o pior prefeito da história da cidade, Crivella foi o primeiro triunfo denso do projeto político da Igreja Universal do Reino de Deus, liderada por Edir Macedo. Sua trajetória é medíocre e, no governo do Rio, agride princípios republicanos elementares. Mas, afinal de contas, quem é o bispo Crivella ?

Ainda nos anos 90, escreveu o livro Evangelizando a África, que condensa sua experiência de proselitismo no continente africano. Não esconde a desinformação e os preconceitos sobre diversas religiões. Para ele, a Igreja Católica e outros segmentos cristãos “pregam doutrinas demoníacas”. Espiritismo, hinduísmo e religiões africanas ? “Abrigam espíritos imundos”. Aliás, sobre estas últimas, ele afirma que “permitem toda sorte de comportamento imoral, até mesmo com crianças de colo”. As religiões orientais não escapam da verborragia ofensiva: “No mundo amarelo (sic), os espíritos imundos vêm disfarçados de forças e energias da natureza”. Para ele, os indianos, provavelmente por uma natureza masoquista, são proibidos de comer carne de vaca apenas para que o alimento seja farto na mesa dos ricos. Os “gurus”, continua o prefeito incensado pela Fierj, pregam o sacrifício de crianças como forma de obtenção de riqueza.

Sua gestão é marcada pelo privilégio aos frequentadores de seus templos. Entrou para o folclore a Márcia, secretária para quem os fiéis deveriam pedir favores, notadamente em atendimento médico. “Fala com a Márcia” virou sinônimo do velho pistolão, agora abençoado pelo prefeito.

Na Bienal do Livro do ano passado, tentou, de forma patética, censurar um gibi, no qual dois rapazes se beijavam na boca. A patuscada foi à breca. O obscurantismo homofóbico, de raiz religiosa, apenas atraiu a atenção para a publicação, que bateu recordes de vendagem.

Sobre as tragédias das chuvas torrenciais de verão, rotina na paisagem carioca, Crivella tem pouco a dizer. Fora cometer piadas de gosto duvidoso (como a criação do programa Balsa Família para os atingidos pelas tragédias hídricas), demonstra ser um péssimo administrador. Nos dois primeiros anos de mandato, reduziu em 71% os gastos com prevenção de enchentes. Na inundação mais recente, fugiu de suas responsabilidades pelo caminho rasteiro da leviandade. Sugeriu que os cariocas moram em áreas de risco por opção: “As pessoas gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi para ficar livre daquilo”. O troco veio rápido. Ao visitar Realengo, bairro devastado, jogaram-lhe uma bola de lama. Pena que não tinham material mais orgânico e malcheiroso à mão.

Politicamente, é um oportunista de velha cepa. Depois de servir ao governo Dilma, agora trata de curvar a espinha para as tropas bolsoneiras, tentando reeleger-se em outubro. Dançou com Jair Messias num ato evangélico, a quem elogiou pela “personalidade irradiante”. Venderá a alma ao Demo para seguir maltratando minha cidade.

Foi esta a sumidade premiada pela Fierj. Para os não iniciados, é importante saber que a federação tem baixa representatividade eleitoral. Suas eleições, em geral com chapa única, têm participação pífia da comunidade judaica. As atividades são essencialmente assistencialistas e burocráticas. Deve ter se escudado em artigos do estatuto, que falam em “defender interesses da comunidade judaica”, para polir a imagem de um político que só merece desprezo e ostracismo. Quem define os interesses comunitários ? São de conhecimento público ?

Por tudo isso, considero inaceitável a homenagem prestada ao bispo Crivella por uma entidade que se declara representante dos judeus do Estado do Rio de Janeiro.

Acuso a Fierj de comprometer a imagem dos judeus, ao celebrar “amizade” com um político desprezado pela maioria dos cariocas.

Acuso a Fierj de insensibilidade, por destacar “conquistas para a comunidade judaica” e ignorar a tragédia administrativa, política e social que é a gestão do bispo Crivella. A imagem que passa é a de que um gueto de privilégios vale mais do que o sofrimento da maior parte do povo do Rio. Pior: passa a impressão, de resto completamente falsa, de que a totalidade dos judeus apoia suas atitudes. A comunidade judaica é heterogênea, e parte dela já se manifestou publicamente contra a entrega da medalha.

Acuso a Fierj de exaltar uma personalidade que ofende a República, ao tornar indiferenciados os campos de atuação do Estado e da religião.