Quando não se sabe identificar o verdadeiro inimigo, ocorre o que acontece sistematicamente com a direita judia: transforma a todos os adversários ideológicos em inimigos, e então o cético passa a ser antissemita, e o crítico vira nazista, e o humanista transforma-se em traidor.
Sim. A direita política intolerante e caolha que hoje até convida os soldados de Israel a desobedecer as ordens da superioridade e abster-se de participar na eventual desocupação dos assentamentos ilegais, e os seus sócios religiosos fundamentalistas que pela boca dos seus rabinos (pisquéi halakhá/decretos divinos) “sentenciam” que as terras são “nossas” e que os árabes são invasores que devem ser expulsos (transferidos a outros países), consideram que:
Quem acusa a Netaniahu e seu “entourage” de haver traído com palavras e com atos o espírito e os princípios sobre os quais se fundou o Estado de Israel, é antissemita.
Quem se opõe a que se anexem os territórios ocupados na Guerra de 1967 (única das guerras desde a criação do Estado que foi iniciada por Israel), exigindo a retirada dos mesmos (com os necessários retoques cosméticos de fronteira e um status especial para Jerusalém), é antissemita.
Quem protesta frente às tentativas dos fundamentalistas fanáticos judeus de acabar com o atual Estado de Israel para em seu lugar erigir o inviável Israel bíblico dos contos de fadas, é antissemita.
Todo judeu ou gentil que repete o que disseram os fundadores do Estado de Israel (que a soberania é humana e não divina, e que ao aceitar a partilha da Palestina fecharam-se as contas com o passado no que a território se refere) é antissemita.
E é assim que amigos fieis do povo judeu e do Estado de Israel como Mario Vargas Llosa, e judeus do porte de um Daniel Barenboim ou de um Iossi Beilin ou de um Shlomo Ben-Amí ou de um Itzhak Rabin, e movimentos progressistas/humanistas – alguns multitudinários como Shalom Achshav/Paz Agora, e outros menores porém igualmente humanistas, como B’Tselem ou Iachad (Méretz) – são ou foram  acusados de quinta-colunistas; de inimigos do seu próprio povo, sendo que um desses próceres (Rabin) caiu vítima de um revólver carregado com os discursos inflamatórios (hassatá pruá, em hebraico) da direita e extrema-direita israelense, com Benjamin Netaniahu (atual primeiro-ministro) como seu maior expoente e estandarte).
Essa direita que não economiza palavras para acusar os suicidas palestinos de terroristas (o que de fato são), e a muitos líderes religiosos muçulmanos de incitar à destruição de Israel (o que de fato acontece), mas cala e olha para outro lado quando o governo de Israel bombardeia seletivamente mas mata coletivamente a muitos inocentes por cada culpado, ou cala num gesto de cumplicidade quando tantos líderes religiosos ou não mas todos eles fundamentalistas judeus, exigem a expulsão de três milhões de palestinos das suas casas decretando como mitzvá (obrigação moral) de todo judeu praticante a ocupação da terra dos outros, ou exigem peremptoriamente que os palestinos suspendam a luta contra a força ocupante (definida e permitida pelas Convenções de Genebra assinadas por Israel), mas se omitem na hora de exigir a Israel que cumpra com as resoluções 224, 338 e seguintes do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, com a assinatura incluída dos Estados Unidos, determina que Israel deve abandonar os territórios “conquistados” em 1967.
É por isso que todas essas campanhas publicitárias orquestradas pelo governo de Israel e implementadas nas satrapias da diáspora, transformam-se em bumerangue, pois geralmente a realidade não demora muito para desmentir a propaganda, aumentando assim o grau de desconfiança e desconforto dos amigos de Israel por um lado, e o antissemitismo dos inimigos pelo outro.
Enquanto a direita israelense, associada aos fanáticos religiosos, procurar demonizar a todos os judeus que não aceitam suas premissas como se elas fossem “torá mi sinai” (as tábuas da lei), a fratura dentro do povo judeu será cada vez mais difícil de consolidar. E isso, que ninguém duvide, atende aos interesses dos antissemitas, porque a História ensina que um povo dividido pelo ódio é presa fácil dos seus inimigos.
Bem fariam, portanto, os apologistas do tudoparanósnadaparavós se contratassem gente que entende do “metier”, para que a sua “defesa” dos interesses de Israel não produza o resultado contrário ao desejado, como vem acontecendo com excessiva freqüência. Existem bons e sérios argumentos para utilizar, sem necessidade de tirar da cartola acusações sem fundo, porque como bem diz o ditado, a mentira tem pernas curtas.
Proibido esquecer – na hora de sair em defesa do atual governo de Israel – que para o mundo (e não sem parte de razão) Israel é o agressor, já que a ocupação é a alma mater de quase toda essa dor. O mal chamado povo palestino – é bom lembrar – não era o inimigo a derrotar, já que o governo jordaniano era o alvo. E curiosamente por um lado, após o fim dos combates firmou-se a paz com esse governo, e desgraçadamente pelo outro, o preço dessa paz inter pares o está pagando o mal chamado povo palestino, sendo que o troco desse pagamento o recebe a gente inocente em Israel quando é explodida dentro de um ônibus ou enquanto come um faláfel na porta da escola.
Espero e desejo que ninguém se apresse a tirar conclusões sobre nada do que escrevi. Peço que primeiro comparem o dito com o ideário da esquerda israelense em particular e com o discurso moderado das forças humanistas em geral, e também com o que disseram os fundadores do Estado em relação aos pilares sobre os quais deve repousar um Estado de Israel livre, laico, soberano e democrático.
Finalmente, peço a todos os judeus que – por favor – não esqueçam que Israel se encontra perto das portas que conduzem a uma guerra fratricida. O fundamentalismo religioso mais extremista e o fundamentalismo político de igual teor dispõem de armamento pesado e, o mais aterrador de tudo, ambos fazem gala de uma declarada disposição de usá-lo inclusive contra o exército de Israel.
De uma coisa temos todos que estar muito, mas muito cientes: ou somamos, ou sumimos.