Rachando a cara de vergonha
Nunca esqueci de uma reportagem do Jornal Nacional de 1998 sobre a fome no Nordeste. O repórter entrevistava uma família de agricultores que não tinha mais o que comer. A mulher cozinhava no fogão a lenha uma sopa de papelão. O pai da família questionado sobre a situação respondeu resignado, “Deus quer assim”. Aquilo foi um soco no meu estômago. A melhor explicação de como escravizar um povo.
A democracia não é um regime perfeito, ainda assim, não existe nada melhor. Eleições livres elegem os representantes do povo aos níveis municipal, estadual e federal. São eles que por um período de 4 anos vão legislar em nosso nome. Vão criar leis que melhorem nosso nível de vida trazendo progresso e bem-estar para todos. Por este trabalho serão remunerados de acordo.
Variando de um país para outro, presidencialismo ou parlamentarismo, as democracias se assemelham com seus três poderes, Legislativo, Judiciário e o Executivo convivendo harmoniosamente. Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. É assim que começa a Constituição Cidadã de 1988.
O exercício político deveria ser uma tarefa de cidadãos e cidadãs dispostas a pensarem formas de melhorar a vida do povo. Gente eleita para trazer soluções aos anseios de sua comunidade, reivindicações populares necessárias desde o nível mais básico, como uma ponte, um calçamento até aquelas mais abrangentes como educação, saúde e segurança para todos.
No Brasil com o passar dos anos, a política se transformou em uma profissão e meio de vida. Famílias de políticos são conhecidas em diversos estados do país, é o famoso Coronelismo com o voto a cabresto. Tudo perfeitamente admitido com a maior naturalidade.
Natural também se imaginar que para exercer tão nobre profissão, os políticos necessitam se apresentar vestidos de maneira condizente. Criaram então a Ajuda Paletó. Seus filhos precisavam estudar em boas escolas. Criaram a Ajuda Escola. Eles tinham de viajar constantemente. Criaram a Ajuda Viagem.
Precisavam comer em restaurantes dignos. Criaram a Ajuda Alimentação. Tinham de aproveitar suas férias. Criaram a Ajuda Férias. Como todo trabalhador tinham direito ao 13º salário. Criaram o 13º e até o 14º salário. E por aí vai.
Precisavam comer em restaurantes dignos. Criaram a Ajuda Alimentação. Tinham de aproveitar suas férias. Criaram a Ajuda Férias. Como todo trabalhador tinham direito ao 13º salário. Criaram o 13º e até o 14º salário. E por aí vai.
Claro que para exercerem tão nobre profissão para o bem geral de todos, eles precisam de assessores, muitos assessores. Estes honrados cidadãos limitados a um trabalho pelo período do mandato dos políticos precisavam ser bem remunerados, muito bem remunerados. Assim foram criados cargos, muitos cargos.
Não bastando tudo que recebem, mais as necessárias ajudas para quase todas suas naturais necessidades, era preciso um pouco mais. Os políticos ao disporem de uma enorme quantidade de cargos para serem preenchidos, pagos pelo povo, por que não serem remunerados por esta benevolência. Que tal uma rachadinha?
A proposta é bastante simples. O gabinete do político tem lugar para um número limitado de pessoas trabalharem. Digamos que umas 5 pessoas, mas ele tem direito a preencher até 15 cargos. Então ele convida mais 10 pessoas a “trabalharem” para ele. O trabalho em questão é apenas o de ceder seu nome como funcionário do gabinete. Por este nobre favor, ele passa a receber mensalmente um salário sem
precisar trabalhar. Em troca deste arranjo benéfico as duas partes, ele devolve metade da renda ao político e ambos vivem felizes para sempre.
precisar trabalhar. Em troca deste arranjo benéfico as duas partes, ele devolve metade da renda ao político e ambos vivem felizes para sempre.
Isto acontece em todo o Brasil de norte a sul nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e até mesmo no Congresso Nacional. É tão conhecido como é o Jogo do Bicho. A diferença que o jogo é considerado uma contravenção, e a rachadinha uma atividade normal.
Alguém já deve estar se perguntando, mas o que tem a ver aquela reportagem da Sopa de Papelão com a rachadinha? Tudo. Em um país com um povo que se dá o respeito, a atividade política recebe atenção e é devidamente escrutinada. Um político que não atender as expectativas durante seu mandato, dificilmente será reeleito. Muito diferente do que acontece no Brasil onde a maioria dos eleitores nem lembra em quem votaram nas últimas eleições para vereador ou deputado.
Quando um cidadão que não tem o que comer, afirma que a situação de sua família é um desígnio de Deus, os maus políticos venceram. Enquanto estes políticos continuarem a se locupletar em seus cargos, e o povo atribuindo suas mazelas a Deus, o país jamais deixará de ser uma republiqueta de terceiro mundo.
Dos anos 90 para cá o poder dos pentecostais vem aumentando. O número de Igrejas, das mais simples, a Templos de Luxo, se distribuem por todo território nacional em números que só crescem. Agora pode faltar o que comer, mas não pode faltar o dízimo dado por esta geração de acéfalos, o combustível que alimenta este círculo vicioso de subserviência. Um Exército de Brancaleone, não só de maltrapilhos, cujo objetivo é tão somente um lugar no Paraíso Celestial prometido por seus pastores. Para eles estes políticos representam Deus na Terra, quando não são o próprio Deus.
Flávio Bolsonaro não inventou a rachadinha, tampouco a sopa de papelão. No entanto ele é a bola da vez. Da mesma maneira que eventualmente um barão do Jogo do Bicho é jogado aos leões para acalmar a plebe, o 01 é o boi de piranha. É por culpa de políticos como ele que voltamos ao mapa da fome. Políticos que criticam uma sátira cristã da Porta dos Fundos, mas são na verdade aquele Deus que se refere o pai de família que só terá alimento enquanto trouxer papelão para casa, porque assim querem os “Flávios Bolsonaros”.
Ele é a ponta do Iceberg e junto com ele está a família que vive desta política suja. Com eles outros milhares de políticos país a fora. Basta!
Em tempo, para todos os meus leitores um Feliz Natal.