Pacheco, Aziz e a alma brasileira
Talvez eu seja o primeiro (sem qualquer pretensão) a ligar dois pontos relacionados à CPI da Pandemia, respectivamente localizados nos extremos da linha temporal mas que certamente guardam um certo “emaranhamento quântico”, de forma a serem na realidade uma coisa só. Vamos aos fatos. Em 4 de fevereiro de 2021 o senador Randolfe Rodrigues entregou à mesa do Senado o requerimento para a instalação da CPI da Pandemia.
A provisão constitucional determina, para que seja instalada qualquer CPI, tão somente a formalização do requerimento desde que este preencha os quesitos legais para tal. Era o caso. Qual foi a atitude do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco? Em termos coloquiais, “sentou” sobre o pedido e apenas deu andamento mais de dois meses mais tarde, após ordem judicial do Ministro Luiz Roberto Barroso, que lembrou ao presidente do Senado que a Constituição deve ser cumprida que o prazo é zero, pois todos os pré-requisitos estavam conforme a lei.
Não houvesse a ação dos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru no STF, qual seria o destino do requerimento? Certamente o mesmo dos mais de 120 pedidos de impeachment que jazem sob as nádegas do presidente da Câmara, Arthur Lira, sem que se decida por sim ou não.
Na outra ponta da história, vimos a paradoxal (e absurda) situação de termos realizado a certamente mais importante e bem conduzida CPI de nossa história – não que perfeita, mas bem feita – e que se transformada em filme seria um arrasador documentário de um genocídio conduzido com dolo, método, frieza e ainda deboche por parte do psicopata-mor da República e sua equipe não menos sinistra e patológica, que deliberadamente dizimou idosos, obesos, diabéticos, hipertensos, cardiopatas, cujas mortes já eram previsíveis antes mesmo da entrada do vírus no Brasil, e que com sua disseminação planejada pelo governo federal terminou por atingir pretos e pobres com muito mais intensidade que a população branca e rica, fechando toda e qualquer equação desenhada pelas 3 décadas de carreira conhecida do delinquente da República. Sim, foi um projeto, que teve ainda a crueldade de eliminar aposentados, talvez uns 450.000, que certamente deram um grande alívio a Paulo Guedes e sua caterva.
Mas no momento da síntese da ópera macabra, surge o senador Aziz, presidente da CPI e articula para que seja removido do relatório da CPI os termos e acusações de genocídio e homicídio, saindo-se vitorioso.
Vamos agora ligar os pontos. A pergunta é, por que Pacheco não queria a CPI e Aziz não quis o termo genocídio? Qual a relação entre estas duas atitudes? Explico.
Amigas e amigos leitores, alguém minimamente esclarecido, e em especial, a classe política do Panalto (deputados federais e senadores) ignorava o que acontecia desde o primeiro caso de morte por COVID-19 no Brasil? Alguém deixou de perceber e compreender as intenções do delinquente-mor e seus nazifascistas associados? Alguém ali poderia se dizer ignorante ou desavisado sobre o trágico porvir, à dependência do governo federal? Não. Os fatos produziram-se na velocidade do fogo em palha seca e a doença ganhou o país sem qualquer resistência no nível das ações federais. O resto da história macabra, todos conhecemos.
Ora, o que faz uma CPI? Apura fatos com o objetivo de identificar ilícitos, crimes de todas as naturezas, e aponta, em seu relatório, a história oficial e estabelece responsabilizações, indica denúncias a serem processadas pelo poder judiciário. Convenhamos: se estivéssemos no lugar do presidente do Senado, a Câmara Alta da República, e ciente do volume escalafobético de crimes e ilegalidades a serem apuradas, qual seria o nosso sentimento? Qual seria a consequência de tal apuração? A resposta é uma só. Um vexame mundial. Uma mácula de dimensão continental em nossa história. Uma tragédia inominável, um sofrimento maior que o de uma guerra ou de qualquer cataclismo já ocorrido nestas paragens. E tudo isso ocorrido sob as barbas de quem? Do Congresso Nacional, parte voluntariamente e parte involuntariamente cúmplice de toda essa tragédia.
Pacheco sabia perfeitamente do tamanho do desastre e das responsabilidades envolvidas, para as quais certamente a nossa sociedade ainda não começou a medir, se é que irá algum dia. Mas a vista da cadeira de presidente do Senado é devastadora. Pacheco embarcou então na covardia de seus colegas Rodrigo Maia e Arthur Lira, que sob o pretexto de “não haver condições políticas”, não deram andamento aos pedidos de impeachment. Sinto muito, senhores, mas a história já não os perdoa, e o peso só vai aumentar pelo menos nos próximos duzentos anos.
Fechando o ciclo, Aziz foge do termo genocídio como o diabo da cruz, pois se todo o ocorrido já pesa o bastante sobre o sistema político, o “selo” genocídio dobra esse peso. Deixar o genocídio no relatório, seria praticamente assumir a cumplicidade da maioria dos deputados e senadores nos crimes, o que o deixaria em uma posição de acusador à qual Pacheco também quis renunciar com todas as forças.
No fundo, a alma dessa gente é corporativista, e no meu entendimento, este é o substrato que liga Pacheco a Aziz. Tanto um como outro tentaram evitar que o maior escândalo ético associado ao maior morticínio criminoso de nossa história tomassem um contorno oficial e passassem para a história, como as horripilantes fotografias e filmes dos campos de extermínio nazistas, cuja realidade foi revelada em imagens ao mundo por que alguns generais ordenaram que se filmasse e que se fotografasse tudo, para que no futuro, ninguém viesse a dizer que aquilo nunca ocorreu.
O genocídio ocorreu, os crimes ocorreram, e o deliquente-mor da República prossegue em sua sanha de cometê-los continuadamente. E o sistema político segue na sua inércia, tolerando-os como se não houvesse amanhã. Tragicamente, não se passará muito tempo até que a história dê o seu diagnóstico sobre a alma brasileira. E não será bom.