A Bússula Ideológica

Há vários instrumentos físicos que podem nos fornecer referenciais para orientação. Por exemplo, temos a bússola, que indica o norte magnético da Terra, algo que varia muito pouco, e serve como referência para navegação aérea, marítima e terrestre. Por outro lado, temos a biruta de aeroporto, que indica a direção do vento, algo que com frequência altera um plano de pouso ou decolagem, independentemente do que aponta a bússola magnética.

Os debates sobre orientação ideológica que tenho visto no Brasil parecem mais guiados por birutas do que por bússolas.

Ora, qual o referencial de hoje para dizermos o que é “esquerda” e “direita”?

Tenho para mim que o marco referencial para o debate nacional é a Carta Magna. Ela é o “centro”, e as diferentes vertentes devem ser confrontadas com o seu espírito.

Ocorre que a nossa Carta, em relação ao que predominou no Brasil no século XX é um texto social democrata, que no grande espectro histórico se coloca na centro-esquerda. Privilegia o bem-estar social, a função social da propriedade, a distribuição de riqueza, as liberdades fundamentais e garantias individuais, a socialização da saúde pública, da educação, entre outros princípios distributivos.

Mas, uma vez colocada como nosso grande contrato social, ela passa a ser o centro. Opiniões mais contrárias às liberdades privadas e ao capital seriam à esquerda da nossa Carta. Opiniões mais anti-estado, mais favoráveis às desregulamentações e liberdades individuais, privilégios ao capital, são à direita da Carta. Uma extrema esquerda seria algo que romperia com o conceito de propriedade privada ainda que por meios de ruptura institucional. Uma extrema direita, no sentido oposto, promoveria a ruptura dos compromissos sociais e das regulações do estado pelos meios autoritários e violentos.

Assim, no contexto atual, ser CONSERVADOR no Brasil significa PRESERVAR os valores de nossa Carta, o que no contexto global geográfico e histórico significa ser PROGRESSISTA e de centro-esquerda. Sim parece um paradoxo, mas não é.

Tudo isso para se explicar que as forças que se definem hoje como “conservadoras” não são conservadoras, e sim, REACIONÁRIAS, pois querem retroagir nossa vida ao período pré-constituição de 1988. São foças retrógradas e violentas, pois praticam a política de rupturas institucionais e pregam contra as instituições democráticas e sociais tal qual definidas na nossa Carta. A própria tentativa de se definirem como “conservadoras” já caracterizam uma CORRUPÇÃO ideológica e filosófica, pois tentam se definir como algo que não são.

E tudo isso para explicar, que o que se chama atualmente de CENTRO, não é centro, é DIREITA, pois vai na direção do capital e do poder individual em detrimento do coletivo e social.

É claro que na complexidade de nossa Carta há pequenos devaneios ora de esquerda, ora de direita, dado que foi um instrumento construído de forma muito plural, com qualidades e defeitos intrínsecos. Assim, o exegeta pode, como na leitura da Bíblia, “puxar a sardinha” um pouco para lá ou para cá, sem fugir do campo democrático de debate, já que neste campo as janelas são retangulares, e o Sol, redondo. O dia é claro, e a noite, escura. Não há a corrupção dos significados, esta que vem sendo a ferramenta fundamental da extrema direita, que depende disso para atacar a ciência e confundir incautos.

Acertem, portanto, suas bússolas para não ficarem tontos com as birutas.

Nelson Nisenbaum