AVISO: Pode conter spoilers.

FAUDA – A SÉRIE (NETFLIX)
(Pode conter spoilers)

Não tenho apreço por filmes e peças violentas, e por isso, tive que respirar fundo muitas vezes até me acostumar com a idéia de mergulhar nesta aventura. Sim, Fauda (caos, em árabe) é uma série produzida em Israel que trata da guerra subterrânea entre o serviço secreto do exército israelense e a ala militar e radical do Hamas. As duas primeiras temporadas descrevem eventos na Cisjordânia ocupada, e a terceira, sobre eventos em Gaza. Curiosamente, a série foi um sucesso absoluto tanto com israelenses como com palestinos. Seria aliás, muito interessante ouvir o que os palestinos que apreciaram a série teriam a dizer sobre ela, e fica aqui o convite para quem se enquadrar no quesito ou que possa repassar o convite para as devidas pessoas.

O personagem principal, Doron, carrega sobre si aspectos contraditórios da existência humana. Convivem dentro dele o romântico e dedicado pai de família (enquanto casado), capaz ainda de grandes gestos de amor fraterno e factual, inteligente, polivalente, articulado e impulsivo, e em contraste, o soldado de guerra capaz de qualquer coisa, inclusive de cometer erros graves que lhe custam caro ao longo da narrativa. De uma certa forma, lembra o velho capitão Kirk em alguma medida, pela capacidade de improvisação e rebeldia às normas rígidas e à lógica seca.

Os outros personagens, dos dois lados, são muito bem construídos, consistentes, e até onde conheço, as culturas locais foram muito bem incorporadas nas tramas e permitem o vislumbre da riqueza humana em sua capacidade de se adaptar aos contextos extremos. Todos amam, todos acertam, todos erram, todos podem odiar e até matar.
O aspecto trágico da narrativa é o aprisionamento das pessoas envolvidas em uma espécie de “destino” que as levam inevitavelmente à catástrofe. Seja o cidadão vulgar israelense outrora nada bem comportado que foi parar no serviço secreto após servir ao exército, seja o jovem palestino talentoso e honesto, seja a boa esposa e mãe judia, seja a provecta e nobre senhora árabe, em algum momento são capturados pelo fluxo da história como se orbitassem um buraco negro e chegassem ao limite do “horizonte de eventos” ou ponto de não retorno.

Dividida em 3 temporadas, é na realidade uma narrativa só dividida em 36 capítulos nos quais distribuem-se 3 ou 4 momentos de tensão absurda e resoluções sanguinárias entremeadas por momentos onde a história oferece enormes oportunidades aos envolvidos e envolvidas.

Apesar de produzida em Israel, não consegui enxergar um maniqueísmo na série. Na minha percepção, não se capta uma imagem de vitimismo ou santidade pelo seu lado, ou de demonização do outro lado como um todo. A narrativa dá uma clara margem de compreensão de que os dois lados sofrem barbaramente com o conflito. Para quem conhece de perto a situação, seus atores, seus contextos e a diversidade de narrativas de vida real, a série parece-me muito realista em seus objetivos, e salvo alguma ingenuidade da minha parte, no meio de tantas balas e sangue ela consegue despertar alguma esperança ao exibir exasperadamente a humanidade dos personagens, principalmente dos não diretamente envolvidos com a verdadeira guerrilha.
Espero sinceramente que a ficção possa ajudar a construir uma nova realidade.