Em 2017, Luis Fernando Veríssimo foi entrevistado pelo Drauzio Varella. Lá pelas tantas, Veríssimo contou como foi seu início no jornalismo. Com mais de 30 anos e sem diploma universitário, não tinha a menor ideia do que fazer da vida quando foi contratado pelo jornal gaúcho Zero Hora. Lá fazia de tudo. Era copidesque (função cada vez mais exercida por máquinas), foi responsável efêmero pelo que o pessoal chamava de “editoria de frescura” (cultura, entretenimento, variedades) e, por breve tempo, assinou coluna de previsões astrológicas.
Previsões astrológicas, o Veríssimo? Pois é. Usava as generalidades típicas deste tipo de comédia, digo, leitura do céu. Com pequenas modificações entre os textos, preenchia os espacinhos dos doze signos. A rigor, todos iguais, suficientemente genéricos para vasculhar todas as probabilidades de futuro sem grandes compromissos com a realidade. Não imaginava que os devotos gostavam de ler o que diziam todos os signos. Pra quê, zabelê! Veríssimo acabou desmascarado e foi procurar sua turma em outro espaço do jornal. Deu no que deu. Ainda bem.
O gaúcho não foi o único a usar a imaginação para criar ilusões deliciosas na imprensa. Um certo Richard McPherson, jornalista, tinha o privilégio de entrevistar anualmente em dezembro Allan Richard Way, vidente indiano cego, que pressagiava os fatos mais importantes do ano seguinte. Dizia-se que previra os atentados que mataram alguns mandatários locais.
As previsões tinham suas particularidades. De acordo com Carlos Heitor Cony, Way “nunca dizia pão-pão, queijo-queijo. Ficava em alusões periféricas”. Detalhe que excitava crédulos era um aparelho chamado “siderômetro”, maravilha capaz de antecipar a data de morte de famosos e descolados de coturno variado. A revista Manchete publicou muitas páginas com as previsões do misterioso vidente cego, sempre no mês de janeiro (quando as redações morriam de tédio pela falta de assuntos retumbantes).
O detalhe, revelado por Cony muitos anos mais tarde, é que tanto McPherson como Way eram pura invenção dele. McPherson, aliás, era o nome do ponta-esquerda da seleção inglesa daquele tempo. Foi uma forma de mudar a chatice das previsões de fim de ano. Saiu do clichê “dos videntes profissionais, uns caras geralmente vestidos de branco, num cenário esotérico, alguns com um globo de luz fazendo a função da bola de cristal, outros jogando búzios, todos chutando com a seriedade de donos do futuro e das gentes”.
Ficando nos pampas gaúchos. Sou leitor bissexto da cronista Martha Medeiros. Tem boas ideias (embora descambe às vezes para a autoajuda), ajuda-me no ofício de caçador de palavras e de mim mesmo. Bati os olhos no texto da semana passada. Martha elogia a suposta função analgésica dos horóscopos (“só sendo muito cético e carrancudo para afirmar que essas informações não servem para nada”), defende que o índice de precisão das adivinhações é o de menos (“o que importa é que nunca trazem dor”) e destaca a necessidade de viver com ilusões (“estas informações despertam fantasias necessárias, que funcionam como antídoto contra nosso pessimismo”). Ai, meus sais! Quase caí da cadeira.
Ora, ora, vou ter que desaposentar minha coleção das amadas Historinhas Semanais, embalsamadas nos idos de 50. Nelas, confundia romanticamente realidade com magia. Aos sete anos de idade, era sadio, recomendável mesmo. Hoje, isso teria certamente outro nome, nada prestigioso.
Não quero aborrecê-los com meu ceticismo inoxidável, mas convido-os a um simples exercício. Morrem 180 mil pessoas por dia no mundo, 7.500 por hora, 125 por minuto. Vai tudo no pacote causal: febre terçã, tísica, espinhela caída, mal de amor, mau olhado, dispneia, bombardeio. Mortos, suponho, aderidos ao zodíaco, isto é, com destinos legíveis. Em algum horóscopo ou similar advertiu-se aquarianos e taurinos para a Morte iminente? Recomendou-se a capricornianos e arianos, numa semana específica, cautela com espinhas e sapos (engoli-los nunca fez bem à saúde)?
Pelo sim, pelo não, dei uma espiada na seção Horóscopo de hoje. Meu signo diz que “o verdadeiro carinho se reconhece nos detalhes do cotidiano e não nas promessas de eternidade”. Eu preferia que fosse “é no riso que mora o afeto mais sincero”. Melhor ainda “emoções surgirão como um véu entre você e o que lhe cerca”. Homessa! Não sei se dá para pedir à gerência que misture as platitudes ou, pelo menos, me permita interpor um embargo declaratório. Fiquei com uma dúvida: será que baixou no jornal o ectoplasma do Veríssimo foca e a coisa toda não passa de brinquedo maroto do Luis Fernando?
Abraço. E coragem.