Um dia de tristeza e mais uma vez a prova de quem é o veneno do mundo

por Jean Goldenbaum

Amigxs, hoje venho dividir com vocês a tristeza que na semana passada pairou sobre a Alemanha, onde resido e residi praticamente toda a minha vida adulta. Na última quarta-feira (19/2/2020) ocorreu aqui o pior atentado terrorista dos últimos 24 anos realizado por um cidadão ou morador do país. Na cidade de Hanau, próxima a Frankfurt, um neonazista invadiu dois bares de narguilé e a tiros assassinou nove pessoas. Na verdade dez, pois a única mulher entre as vítimas, estava grávida. Todos os falecidos eram estrangeiros (nascidos no exterior ou de origem migratória): dois curdos, dois turcos, um afegão, um bósnio, um búlgaro, um romeno e uma sinti (cigana).

Após a chacina, o ofensor retornou à sua casa, assassinou sua mãe de 72 anos, e se suicidou. Antes disso, publicou na internet um bizarro “manifesto” de 24 páginas através do qual escancara toda a sua alucinação mesclada com ódio. Neste documento ele expressa seu desejo de aniquilação de estrangeiros, ideias sobre eugenia, frustrações sobre sua incapacidade de ter uma vida amorosa com uma mulher, e outras teorias da conspiração envolvendo até mesmo o sociopata presidente norte-americano Donald Trump.

Este ataque confirma mais uma vez a estatística já bem conhecida nas últimas três décadas na Alemanha: a maioria absoluta dos ataques de ódio no país é realizada pela extrema-direita. Não por estrangeiros, não por islâmicos, não por esquerdistas. O último ataque tão “bem-sucedido” como este havia ocorrido em 1996 em Lübeck, quando neonazistas incendiaram um lar de asilados, matando dez pessoas e ferindo mais de 50.

Cabe também lembrar de outros dois episódios, este mais recentes: o de 2016, em que um neonazista de Munique com uma pistola assassinou nove estrangeiros e feriu diversas outras pessoas; e o de 2019, em que o criminoso atirou na porta da Sinagoga de Halle e tentou invadi-la, e depois assassinou duas pessoas em um restaurante turco.

É importante também registrar aqui que, desde a queda do muro de Berlim, o único grande ataque terrorista (12 mortes) que ocorreu por responsabilidade de um muçulmano, foi realizado em 2016 por um membro do Estado Islâmico, que se infiltrou ilegalmente no país, e não possuía status de asilado ou visto algum. Ou seja, era um criminoso internacional, procurado por variadas polícias e possuidor de diversas cidadanias falsas, e não um cidadão que fazia parte do – em minha opinião maravilhoso – programa de aceitação de refugiados da Alemanha.

O partido de extrema-direita na Alemanha, o AfD, fundado em 2013, teve sua ascensão em 2015 justamente através da propagação da teoria de que os milhões de refugiados que Angela Merkel permitiu que entrassem na Alemnha transformariam rapidamente o país em uma espécie de califado europeu. Incitando ódio, racismo e violência todos os dias, o partido reúne e organiza o que há de pior na sociedade alemã. Este, que nada mais é do que o partido nazista alemão com uma roupagem contemporânea e adaptada ao século XXI, hoje ocupa o segundo escalão político do país, com um eleitorado que varia entre cerca de 10 e 15% dos votantes. Assim, desde 2015 – pasmem, amigxs leitorxs, – mais de 100 ataques da extrema-direita a alvos estrangeiros variados (islâmicos, judaicos, entre outros) já foram documentados. E o AfD, assim como os republicanos trumpistas, e assim como toda a corja ultradireitista brasileira faz, continua a estimular e legitimar todo o ódio. (Ah sim, uma “curiosidade”: este que foi o único partido alemão a parabenizar o monstruoso presidente brasileiro por sua eleição. Que surpresa, não?…)

Pois bem, culpar o AfD não é somente a minha opinião, mas a da maioria dos alemães. Uma recente pesquisa (veja a referência abaixo) evidenciou que 60% dos alemães atribuem ao AfD responsabilidade pela violência da extrema-direita (26% não atribuem e 14% não sabem). A pesquisa também aponta que a maioria, 49%, considera os neonazistas a maior ameaça de terrorismo na Alemanha (27% considera os muçulmanos e 6% considera a Esquerda, enquanto 18% não sabem.)

Dentro do mundo político, tivemos a importante declaração do político Norbert Röttgen do CDU (maior partido alemão e de Angela Merkel). Röttgen, que é cotado para assumir a liderança do partido após a aposentadoria de Merkel, externou com todas as letras: “Você não pode ver a ação isoladamente. Temos que combater o veneno que o AfD e outros carregam em nossa sociedade”.

Enfim, acho importante trazer ao público brasileiro fatos de um país que é chave no mundo em termos políticos, econômicos e sociais. E a história do nazismo na Alemanha traz um peso maior a qualquer acontecimento que ocorra relacionado a este tema.

Por fim, é justo dizer que tirando o câncer nazista, racista, xenófobo, da sociedade alemã, o país vêm, ao meu modo de ver, combatendo muito bem a ascensão do Neonazifascismo. O AfD está controlado, e prevejo que de agora em diante a tendência é que comece a perder pontos percentuais, estabilizando-se como um partido secundário que não terá chances de assumir nenhum nível governamental. O partido que mais cresce é o Verde – inclusive aqui em Hannover elegemos recentemente o primeiro prefeito deste partido, que além do mais é muçulmano e de ascendência turca, ou seja, uma grande vitória para a diversidade. Dadas as atuais tenebrosas conjunturas do mundo (Trump, Brexit, Brasil, etc), a Alemanha é um muito bom lugar para se viver, e espero que se consolide mais e mais como uma capital de combate ao extremismo no mundo.

Quanto às vítimas de Hanau, que já se foram, nos cabe somente rezar um Kaddish por suas almas – e sei que os judeus bons e humanistas o fizeram. Aos que ficaram, segue a luta de alemães e estrangeiros, judeus, muçulmanos e cristãos, por um mundo que – ao menos minimamente – mereça receber as crianças de amanhã.

Fonte da pesquisa:
https://www.rga.de/politik/hanau-anschlag-video-opfer-taeter-schiesserei-attentat-hessen-arena-bar-news-zr-13549464.html