Por que a variante delta da COVID-19 não “explodiu” no Brasil?

Por que a variante delta da COVID-19 não “explodiu” no Brasil?

No momento em que vários países da Europa com boa situação vacinal experimentam o maior “boom” da pandemia, com recordes de casos, o Brasil segue em queda sustentada de casos. O que será que explica a nossa “salvação”?

Tenho as minhas teorias, que já deixo bem claro, não tem valor científico, mas penso serem razoáveis e plausíveis. Vamos lá.

Desde antes do início da vacinação eu defendia que a plataforma da Coronavac seria superior pela sua composição de “vírus inteiro”, em contraposição a todas as outras, que independente da plataforma entregam apenas o antígeno “spike” ao nosso organismo. Este antígeno é o que forma a ponte entre o vírus e nossas células. Ocorre que é justamente este antígeno o que mais sofreu mutações ao longo da pandemia, o que poderia explicar que muitas pessoas com duas doses adquiriram a doença, ainda que com redução de gravidade e mortes em aproximadamente 90%. Os países onde a Coronavac está em alta não receberam Coronavac ou outra vacina de vírus inteiro, ao passo que o Brasil, Uruguai, Chile e Argentina (sem falar da China, obviamente!) usaram a vacina em larga escala. Como os anticorpos e células de defesa induzidos pela Coronavac dirigem-se a vários antígenos ao mesmo tempo, ficaríamos mais protegidos das mutações da proteína Spike. Claro que a Coronavac mostrou fragilidade entre os mais idosos, mas sem dúvida, quando usada em massa produz um bom “escudo imunológico” que protege a todos, inclusive os idosos, e os números mostram isso com clareza.

O segundo ponto, é que quando a nossa vacinação começou, já havia disseminação em massa do vírus em todo o país, especialmente a variante gama, que certamente em meados de março já havia batido em 100 milhões de brasileiros. Mas como fazer esse cálculo? Não é tão simples e nem tão complicado. Basta ter como parâmetro o fato de esta doença ter uma mortalidade “bruta” de 1% ou menos dos infectados. Como a nossa mortalidade chegou a 4,5% dos notificados em alguns momentos, fica claro que há cerca de um ano a subnotificação era em torno de 80%, em números arredondados. Assim, quando a vacinação começou de fato e em ritmo adequado, pelo menos metade dos brasileiros já tinha uma “dose” da vacina, que era a infecção prévia, fazendo com que esta primeira dose funcionasse de fato como segunda, e por sua vez, a segunda, como terceira. Assim, o verdadeiro “escudo imunológico” já estava em formação quando a vacinação começou, colocando o Brasil em uma situação incomparável com a de outros países, onde o vírus não circulou tanto. Isto confirmaria o “sucesso” do projeto de Bolsonaro, que foi o de construir imunidade de rebanho por disseminação do vírus, ao custo de 609.000 mortos pelos números oficiais de hoje. Que fique claro que o termo “sucesso” foi usado aqui em tom de fria ironia.

Nos meus cálculos, neste momento, o vírus já infectou pelo menos 75% da nossa população, principalmente nos grandes centros como a cidade de São Paulo, que experimenta no momento mortes diáirias na escala da unidade, e números de casos na casa de poucas centenas em trajetória de queda, o que só se explica, diante da potência da variante delta exibida em outros países, por uma imunidade coletiva muito forte, que somente a conjugação infecção+vacina poderia explicar.

Que venham os cientistas e testem as minhas teorias.

Pacheco, Aziz e a alma brasileira

Pacheco, Aziz e a alma brasileira

Talvez eu seja o primeiro (sem qualquer pretensão) a ligar dois pontos relacionados à CPI da Pandemia, respectivamente localizados nos extremos da linha temporal mas que certamente guardam um certo “emaranhamento quântico”, de forma a serem na realidade uma coisa só. Vamos aos fatos. Em 4 de fevereiro de 2021 o senador Randolfe Rodrigues entregou à mesa do Senado o requerimento para a instalação da CPI da Pandemia.
A provisão constitucional determina, para que seja instalada qualquer CPI, tão somente a formalização do requerimento desde que este preencha os quesitos legais para tal. Era o caso. Qual foi a atitude do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco? Em termos coloquiais, “sentou” sobre o pedido e apenas deu andamento mais de dois meses mais tarde, após ordem judicial do Ministro Luiz Roberto Barroso, que lembrou ao presidente do Senado que a Constituição deve ser cumprida que o prazo é zero, pois todos os pré-requisitos estavam conforme a lei.
Não houvesse a ação dos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru no STF, qual seria o destino do requerimento? Certamente o mesmo dos mais de 120 pedidos de impeachment que jazem sob as nádegas do presidente da Câmara, Arthur Lira, sem que se decida por sim ou não.
Na outra ponta da história, vimos a paradoxal (e absurda) situação de termos realizado a certamente mais importante e bem conduzida CPI de nossa história – não que perfeita, mas bem feita – e que se transformada em filme seria um arrasador documentário de um genocídio conduzido com dolo, método, frieza e ainda deboche por parte do psicopata-mor da República e sua equipe não menos sinistra e patológica, que deliberadamente dizimou idosos, obesos, diabéticos, hipertensos, cardiopatas, cujas mortes já eram previsíveis antes mesmo da entrada do vírus no Brasil, e que com sua disseminação planejada pelo governo federal terminou por atingir pretos e pobres com muito mais intensidade que a população branca e rica, fechando toda e qualquer equação desenhada pelas 3 décadas de carreira conhecida do delinquente da República. Sim, foi um projeto, que teve ainda a crueldade de eliminar aposentados, talvez uns 450.000, que certamente deram um grande alívio a Paulo Guedes e sua caterva.
Mas no momento da síntese da ópera macabra, surge o senador Aziz, presidente da CPI e articula para que seja removido do relatório da CPI os termos e acusações de genocídio e homicídio, saindo-se vitorioso.
Vamos agora ligar os pontos. A pergunta é, por que Pacheco não queria a CPI e Aziz não quis o termo genocídio? Qual a relação entre estas duas atitudes? Explico.
Amigas e amigos leitores, alguém minimamente esclarecido, e em especial, a classe política do Panalto (deputados federais e senadores) ignorava o que acontecia desde o primeiro caso de morte por COVID-19 no Brasil? Alguém deixou de perceber e compreender as intenções do delinquente-mor e seus nazifascistas associados? Alguém ali poderia se dizer ignorante ou desavisado sobre o trágico porvir, à dependência do governo federal? Não. Os fatos produziram-se na velocidade do fogo em palha seca e a doença ganhou o país sem qualquer resistência no nível das ações federais. O resto da história macabra, todos conhecemos.
Ora, o que faz uma CPI? Apura fatos com o objetivo de identificar ilícitos, crimes de todas as naturezas, e aponta, em seu relatório, a história oficial e estabelece responsabilizações, indica denúncias a serem processadas pelo poder judiciário. Convenhamos: se estivéssemos no lugar do presidente do Senado, a Câmara Alta da República, e ciente do volume escalafobético de crimes e ilegalidades a serem apuradas, qual seria o nosso sentimento? Qual seria a consequência de tal apuração? A resposta é uma só. Um vexame mundial. Uma mácula de dimensão continental em nossa história. Uma tragédia inominável, um sofrimento maior que o de uma guerra ou de qualquer cataclismo já ocorrido nestas paragens. E tudo isso ocorrido sob as barbas de quem? Do Congresso Nacional, parte voluntariamente e parte involuntariamente cúmplice de toda essa tragédia.
Pacheco sabia perfeitamente do tamanho do desastre e das responsabilidades envolvidas, para as quais certamente a nossa sociedade ainda não começou a medir, se é que irá algum dia. Mas a vista da cadeira de presidente do Senado é devastadora. Pacheco embarcou então na covardia de seus colegas Rodrigo Maia e Arthur Lira, que sob o pretexto de “não haver condições políticas”, não deram andamento aos pedidos de impeachment. Sinto muito, senhores, mas a história já não os perdoa, e o peso só vai aumentar pelo menos nos próximos duzentos anos.
Fechando o ciclo, Aziz foge do termo genocídio como o diabo da cruz, pois se todo o ocorrido já pesa o bastante sobre o sistema político, o “selo” genocídio dobra esse peso. Deixar o genocídio no relatório, seria praticamente assumir a cumplicidade da maioria dos deputados e senadores nos crimes, o que o deixaria em uma posição de acusador à qual Pacheco também quis renunciar com todas as forças.
No fundo, a alma dessa gente é corporativista, e no meu entendimento, este é o substrato que liga Pacheco a Aziz. Tanto um como outro tentaram evitar que o maior escândalo ético associado ao maior morticínio criminoso de nossa história tomassem um contorno oficial e passassem para a história, como as horripilantes fotografias e filmes dos campos de extermínio nazistas, cuja realidade foi revelada em imagens ao mundo por que alguns generais ordenaram que se filmasse e que se fotografasse tudo, para que no futuro, ninguém viesse a dizer que aquilo nunca ocorreu.
O genocídio ocorreu, os crimes ocorreram, e o deliquente-mor da República prossegue em sua sanha de cometê-los continuadamente. E o sistema político segue na sua inércia, tolerando-os como se não houvesse amanhã. Tragicamente, não se passará muito tempo até que a história dê o seu diagnóstico sobre a alma brasileira. E não será bom.

A órbita excêntrica da Vacina Sputnik-V

Desde o início a história da vacina SPUTNIK-V é uma coleção de eventos desnecessários que, como já escrevi há muitos meses, desonra as tradições científicas da “Grande Mãe Rússia”. Na largada, Putin fez um precipitadíssimo anúncio ao mundo que após ser testada em 72 voluntários tendo entre eles sua própria filha havia obtido o registro na agência reguladora sanitária de seu governo, algo absolutamente inédito em toda a história da ciência médica. Naquela época, minha crítica rendeu diversos ataques de setores da esquerda que interpretaram meu texto como um ataque à ciência russa e à herança soviética (sim, tem gente que pensa que Putin é de esquerda) quando eu já deixava ali, muito bem consignado, que quem estava atacando a ciência russa era o Putin, e não eu. Não bastasse este mau arranjo, o nome SPUTNIK certamente veio a ressuscitar os mitos da guerra fria, com endereço certo a partir do narcísico mosaico líder russo que transita entre uma figura de czar do velho império e o menos velho Stálin, astuto como as duas figuras.

A vacina SPUTNIK tem perfil no Twitter e vende-se bem, com maravilhosas estatísticas de eficácia e eficiência ainda não muito bem refletidas nas estatísticas de incidência e mortalidade, estáveis há um mês em inabalável média de 9.000 casos/dia e 400 mortes/dia. Anuncia ser capaz de evitar 91,5% das infecções nos vacinados, a mais alta de todas as vacinas até agora (veja gráfico abaixo). Está sendo usada em 60 países fora a Rússia, mas não obteve registro em nenhuma das grandes agências sanitárias da Europa, EUA e da nossa ANVISA, bem como ainda não logrou publicar suas estatísticas em nenhum grande periódico médico ou científico geral.

No Brasil, sua causa já foi judicializada, sendo que a justiça deu prazo terminal de 10 dias que se encerram nesta semana para manifestação da agência, sob pena de pela via judicial autorizar a importação do produto pelos governos estaduais demandantes.

A pergunta que não quer calar: por que o Instituto Gamaleya tem tantas dificuldades em fornecer os dados em quantidade e qualidade para que as agências reguladoras endossem o seu produto? Ou, se não há esta dificuldade, por que não vemos uma manifestação pública daquela instituição no sentido de defender-se de uma eventual acusação de falha no envio das informações necessárias? Esta novela parece não ter fim, e infelizmente, gera desgaste e desconfiança desnecessários em qualquer cenário, especialmente o atual.

De minha parte, não tenho qualquer razão para desconfiar da vacina SPUTNIK-V em si mesma. A Rússia não é um país fechado a ponto de impermeabilizar informações importantes sobre eventuais problemas ou fracasso da vacina, e da mesma forma, até onde sabemos os países que estão utilizando-a não apresentaram qualquer reclamação até o momento.

Sob o ponto de vista técnico, a SPUTNIK-V é uma vacina de vírus vetor, um adenovírus não infectante humano, diferente da Oxford-AstraZeneca que usa adenovírus símio e também semelhante à vacina da Janssen neste quesito. Logo, nada tem de excepcional e não haveria razão para que não se confiasse nela a princípio.

O assunto é importante, pois o mundo, e em especial o Brasil, sofre no momento de carência grave de vacinas com uma perspectiva ruim até o fim do ano, pelo menos. Esperamos que alguém dê uma explicação razoável para todo esse imbrólio.

PS (retistrado em 23/10/2021): A Rússia vive no momento uma explosão da pandemia, com participação de uma variante local, segundo se informa. Apenas 32% da população russa recebeu duas doses da vacina.