Qualquer pessoa com um mínimo de informação e bom senso sabe: o golpe está em marcha, o objetivo é passar da ditadura insidiosa que vivemos a uma ditadura institucionalizada, com leis de exceção e todo o aparato repressor. O clã Bolsonaro, os militares, evangélicos, mulheres que defendem a falocracia e outros fascistas que integram o governo, estão em plena campanha pelo endurecimento do regime, com apelos ao AI5, pouco importa qual seja o seu futuro nome, e o consequente fim do período democrático. Os sinais são claríssimos, transparentes.

Não foi por acaso que no Nordeste, região que não aderiu ao bolsonarismo, os policias militares, muitos dos quais encapuzados, escondendo o rosto de milicianos, entraram em greve, numa evidente violação da Constituição Federal. Foram além, passaram a não mais respeitar as autoridades estatais, referindo-se diretamente à Brasília, como se fossem subordinados diretos de Jair Bolsonaro. O movimento se alastrou e hoje engloba metade dos Estados brasileiros.

Não foi tampouco por acaso que nos últimos meses Bolsonaro trocou ministros e responsáveis civis do segundo escalão por militares, inclusive da ativa.

Ao reconhecer que o presidente da República flerta com os motivos legais de impeachment, o general Augusto Heleno decidiu agir, declarando guerra ao Congresso. Afinal, a segurança institucional é o seu setor. Inventou uma chantagem do Parlamento e concluiu com um sonoro “Foda-se”. Foi então que se articulou uma manifestação em defesa dos militares, contra os inimigos do Brasil que são  o Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. O general pôs fogo no circo, numa manobra muito bem preparada. As principais palavras de ordem, o fechamento do Parlamento e do STF, receberam o apoio do presidente da República, através do WhatsApp.

Vale sempre a pena lembrar:  Quando o general Augusto Heleno era chefe da Minustah, as forças da ONU enviadas ao Haiti, os soldados sob seu comando cometeram inúmeros atos de violência ao encontro da população, milhares de mulheres foram estupradas, 70 favelados mortos, 20 desaparecidos e 300 feridos na maior operação militar no país. Os mortos foram assassinados com tiros na cabeça, à queima roupa. Mais de 23 mil cartuchos foram detonados. Demitido do cargo pelo então presidente, por exigência da ONU, o general passou a considerar Lula seu inimigo mortal.

Agora, Jair Bolsonaro e seus filhos, sob o estímulo original do general Heleno, pregam que os militares intervenham no Congresso e no Supremo.

Apesar do absurdo do apelo, não se pode dizer que haja surpresa nessa atitude abertamente antidemocrática, que por si só justificaria a abertura de um procedimento de impeachment. Há 20 anos, o então deputado declarou que se um dia chegasse à presidência fecharia o Congresso e mataria 30 mil, dentre os quais o chefe de Estado da época, Fernando Henrique Cardoso. Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral, em 2018, reincidiu, ao dizer que “se caísse uma bomba H (de hidrogênio, muitas vezes mais potente que uma bomba atômica) no Parlamento, pode ter certeza, haveria festa no Brasil.” Agora, foi apoiado pelos filhotes 01, 02 e 03.

Dependendo do número de bolsonaristas presentes, a manifestação programada para 15 de março poderá ser o preâmbulo da instauração de uma nova ditadura, assim como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi uma espécie de prólogo do golpe de 64. Diante dessa possibilidade, até mesmo alguns jornalistas ultradireitistas, mas que conservaram um mínimo de respeito à democracia, pedem que seus leitores não compareçam ao ato. Uma prova de responsabilidade tardia.

Quanto a nós, que sabíamos muito antes o que aconteceria caso o abominável fosse eleito – o pior, a hora é de esquecer as desavenças e formar uma compacta aliança democrática, congregando todos aqueles que são contra o autoritarismo fascista. Todos, sem exceção, a começar pelas lideranças políticas, que poderiam ou melhor deveriam esquecer por dois minutos a vaidade que os desune para elaborar um manifesto da Frente Unida pela Democracia. É o mínimo que se espera deles em nome da biografia. Caso contrário, amanhã, serão chamados, com razão, de cúmplices da barbárie.