Estava sentado à mesa com um menino de dez anos, talvez onze, no distante ano de 1967. Num momento Antônio captura uma mosca que estava em cima da mesa num gesto veloz. Fico impactado diante da surpresa, e ele permanece com o punho fechado, abre um pouquinho a mão e com a outra faz algo que não vejo. Tudo em fração de segundos, e então joga a mosca em cima da mesa com uma só asa, pois a outra ele cortara. A mosca se debate na nossa frente, e eu, atônito, pergunto ao menino por que tinha feito aquilo. Aí vem a resposta calma e sorridente: “Gosto de ver a mosca se debatendo”.
A condição humana é marcada pela agressividade desde Caim e Abel, o Coliseu, as intermináveis guerras. A luta pelo poder é central, logo a barbárie integra a civilização, como ocorreu na tragédia da Primeira Guerra Mundial, a grande guerra. Foi a partir dela que Freud mudou algumas de suas teorias. Em especial, propôs a pulsão de morte, pensada já no começo de 1919, que nasce das neuroses de guerra, e a compulsão a repetição. Conceito controverso entre psicanalistas, mas baseado em quem esteve na guerra como colegas e os filhos de Freud. Então escreve uma nova teoria pulsional: Eros e Tanatos, Vida e Morte, sexualidade e hostilidade são essenciais. A pulsão de morte não é sinônimo de maldade, o problema ocorre quando ela é separada da pulsão de vida, em uma desfusão. Nessa situação ela se transforma em idealização, projeção e narcisismo das pequenas diferenças, através de violências dirigidas contra si ou ao mundo exterior.
O menino da mosca é um exemplo individual de agressividade para mostrar seu poder e me assustar. A nível social é assustador quando o terrorismo de Estado passa a governar para destruir a vida. É a pulsão de destruição, também chamada de pulsão agressiva, contra o mundo e os seres vivos. Há um amor ao ódio que encontra os irmãos do ódio que sonham com a destruição dos inimigos: raciais, religiosos, políticos. Freud escreveu então sobre a psicologia das massas, o mal-estar na cultura, dedicando-se a pensar não só a realidade psíquica, mas também a vida em sociedade.
O Brasil elegeu um presidente em 2018 que baseou sua campanha no ódio, na guerra que empolgou boa parte dos brasileiros. Na pandemia essa agressividade cresceu no negacionismo delirante, ignorando a boa medicina e as ciências nas suas orientações: distanciamento, máscaras, higiene, e vacinas para todos. O presidente ironizou a covid com piadinhas sádicas, sem graça, a não ser por seu público trabalhou para o vírus e a morte sem ser molestado pelos poderes armados ou não. É uma política da morte, com cúmplices nos mais variados poderes e profissões. O Bolsonarismo não tem solidariedade, empatia, humanidade com os mortos, seus familiares e despreza a maioria do povo brasileiro.
A pulsão de destruição é mencionada no livro de Freud “O Eu e o Isso”. No início do IV capítulo ele escreveu: “…a musculatura e a pulsão de morte se exteriorizam agora – provavelmente só em parte – como pulsão de destruição dirigida ao mundo exterior e a outros seres vivos”. Essa pulsão é a expressão da crueldade que pode irromper em pessoas mais sádicas. As pulsões podem ser sublimadas, transformadas em artes, conhecimentos, amor, diálogos, política. O atual governo não tem uma política de saúde que una o Brasil, ao contrário. O presidente não tem partido, é do partido das armas, da guerra com os governadores, visando a próxima eleição na base da brutalidade sedutora (mimimi, maricas, chorões) e tem gente que ri.
O Brasil é dominado por um governo sádico igual ou pior que a Casa Grande da escravidão. O menino Antônio da história, cortava a asa da mosca, importante é que as asas da imaginação não sejam cortadas pelo apatia, o desânimo, pois o desafio é aprender a caminhar nos perigosos labirintos. Caminhar e construir a esperança contra a destruição e o minotauro brasileiro. Cabe a cada um e a todos nós seguir tecendo o fio de Ariadne.