O Parlamento da União Europeia aprovou por esses dias regras para uso e desenvolvimento da chamada Inteligência Artificial. É o mais importante reconhecimento das ameaças que estes novos sistemas trazem à privacidade das informações e às muitas interfaces entre homens e máquinas. Claro que tudo está ainda incipiente, a tecnologia é nova e, nestes casos, projetar o futuro incorpora o medo atávico a tudo o que sai da rotina. No entanto, há sinais realmente inquietantes. O enorme incremento de produtividade em vários setores que a IA carrega no ventre levou estudiosos a prever que ela afetará cerca de 40% dos empregos no mundo.

A ficção científica já usou fartamente o conflito entre robôs (as “inteligências artificiais” de outros carnavais) e humanos. De um modo geral, levou a distopias, como a sequência de filmes O exterminador do futuro. O primeiro é o melhor de todos, viajando pelo tempo e imaginando que as máquinas evoluirão rapidamente para a autonomia e, como o computador Hal no 2001 de Kubrick & Clarke, concluirão que a humanidade é supérflua. Daí para a extinção da nossa espécie o caminho seria curto. Pode parecer alucinação, mas tem muita gente boa incluindo esta possibilidade nos cenários de futuro.

Fui criado com doses encorpadas de Rod Serling e filmes B de viagens espaciais, com foguetes movidos a estranhas e hilariantes geringonças mecânicas e combates com monstrengos marcianos. Minha neta adora um pequeno filme de 1902 (não, línguas ferinas, eu ainda não tinha nascido), Viagem à lua, do Meliès. Banho de originalidade e humor.

Voltando à vaca fria. Serling criou uma das séries de televisão mais interessantes de todos os tempos. Foi exibida entre 1959 e 1964. Em cerca de meia hora por episódio, com poucos recursos, dissolvia as fronteiras entre espaço e tempo, criando histórias memoráveis onde atuaram, em princípio de carreira, Robert Redford, William Shatner, Charles Bronson e Elizabeth Montgomery. Num deles, antológico, Burgess Meredith, o futuro Pinguim na série Batman dos anos 60, passeia por uma distopia pós-destruição da humanidade por armas nucleares (pesadelo daqueles tempos de Guerra Fria).

Não sou fã das máquinas do tempo que viajam ao passado para “corrigir” situações antigas e aliviar o presente. Não costuma acabar bem. Um bom exemplo, eu diria definitivo, é o curta Barbosa, criado por Paulo Perdigão. Traumatizado pelo Maracanazo, que assistira com o pai ainda criança, o protagonista (Antônio Fagundes, ótimo) resolve inventar um mecanismo que permitiria voltar ao fatídico 16 de julho de 1950, colocar-se atrás da baliza do goal-keeper Barbosa e alertá-lo para a direção do chute de Ghiggia. Acaba descobrindo que foi seu grito que desviou a atenção de Barbosa, selando a vitória uruguaia. Fica preso no passado, numa rede de melancolia e sentimento de culpa.

Gosto mais do que seria a maior invenção de todos os tempos, meu copyright. Parto de uma reflexão do mestre Tostão, que reproduzo: “A memória é diferente da lembrança. Esquecemos muitas coisas, geralmente as que não queremos lembrar, porém elas continuam guardadas na memória inconsciente. De vez em quando, reaparecem em sonhos, atos falhos, às vezes disfarçadas, encobertas pelo cotidiano. Outras vezes, lembramo-nos de alguns fatos que não foram exatamente como ocorreram, mas do jeito que gostaríamos que tivessem acontecido”. Minha campeã neste terreno é uma suposta passagem do filme Os 7 samurais. Propaguei para mundos e fundos que o samurai vagabundo (Toshiro Mifune) fincava uma bandeira num montículo antes da batalha final e dizia que, no auge da pancadaria, ela seria uma inspiração para a vitória. Pois bem, revendo o filme descobri que a cena simplesmente não existe!

Minha máquina teria nome: seria a MADAL – Máquina D’Algures. Através de chips e chopes, ela teria acesso às cenas verdadeiras da nossa memória, em cada dia da vida, transformando-as em imagens que seriam projetadas em qualquer superfície plana. Não seria necessariamente uma redenção, mas uma sucessão de ais!, ohs!, sorrisos embaraçosos e furtivas lágrimas. Tenho uma fila imensa de curiosidades neste departamento. A começar pelo dia em que dei um chutaço indefensável de canhota (será mesmo que dei?), em treino na quadra da fábrica de cigarros Souza Cruz, bairro da Usina. Inauguração de minha curta carreira de lateral-esquerdo de futebol de salão. Ali, parece, o Menino foi feliz e estranhou um pequeno poema do Paulo Mendes Campos: “Nunca fui/genuinamente/um triste./O que me faltou foi/a graça/de sentir-me vivo”. Vida, e como!, no bico de um tênis velho, mas atrevido.

Meninos, mãos à obra! MADAL vos espera!

Abraço. E coragem.