Há pouco mais de um ano, nos braços da minha mulher, em plena madrugada, eu comemorava a vitória de Lula presidente. Como havia dito dias antes Gilberto Gil num show na Île de Ré,” Lula para acabar com o pesadelo”. Naquele noite chorei copiosamente, de felicidade, talvez mais ainda de alívio. Tinha consagrado os últimos dois anos a fazer campanha pela eleição de Lula, criando o Coletivo Judias e Judeus Sionistas de Esquerda e o Comitê de judeus com Lula/Alckmin, atuando em plataformas de esquerda. Derrotar Bolsonaro se transformou em obsessão. Trabalhamos duro na relativamente fácil tarefa de fortalecer a convicção dos progressistas e convencer os indecisos, e na muito mais difícil de trazer para o nosso campo os conservadores avessos a Lula, muitos dos quais denunciavam a ambiguidade com relação aos judeus e a Israel. Lembrávamos então, incansavelmente, que Lula foi o primeiro presidente brasileiro a visitar Israel e sempre defendeu a tese de Dois Estados.
Vencemos!
Pessoalmente, me orgulho de ter conseguido virar o voto de ao menos cinquenta eleitores judeus; uma gota d’água que contou na apertadíssima vitória.
Hoje, me sinto desiludido, envergonhado, ofendido. Peço desculpas a todos aqueles com quem argumentei que Lula tinha provado, em dois mandatos, ser um chefe de Estado equilibrado, moderado. Eu, como todos os judeus que votaram Lula, amplamente majoritários, queiram ou não queiram nossos detratores, estamos todos ofendidos, envergonhados, desiludidos com Lula, que ousou o inimaginável, ao declarar, em Adis Abeba:
“Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.”
Entendo que Lula queira passar por um “gauchista” para satisfazer seu eleitorado de esquerda e por um humanista diante daqueles que denunciam os horrores da guerra, no Brasil como no resto do mundo, já que nunca desistiu de ser visto como um líder mundial. Só que agora caiu no discurso fácil do “os judeus estão agindo como os seus algozes.”
Lula realmente ultrapassou a linha vermelha. Comparar o que acontece em Gaza com o Holocausto é revisionismo ignóbil !
Lula não ofendeu “apenas” os 17 milhões de judeus, ofendeu todos os perseguidos, assassinados e gazados nos campos nazistas – ciganos, deficientes, comunistas, homossexuais, testemunhas de Jeová, em nome da raça pura e do pensamento único. Em outras palavras, o presidente do Brasil ofendeu todas as vítimas, as minorias, ofendeu a Humanidade.
Recebeu em contrapartida os elogios merecidos do Hamas. Até então, nenhuma liderança árabe tinha ido tão longe quanto o brasileiro. Que presente ao grupo terrorista!
Domingo, na Etiópia, Lula enterrou seu histórico humanista.
Pode se criticar a ação militar de Israel e os crimes de guerra cometidos, deve se criticar o governo Netanyahu, de extrema-direita, e clamar por um cessar-fogo, mas falar em genocídio e holocausto é uma mentira de quem não quer a paz, de quem, por um motivo ou outro qualquer, quer importar o conflito para tirar benefícios.
A cada fala (sem comparação com esta, que ultrapassou todos os limites da decência) , Lula libera a palavra e os atos dos profissionais da discriminação.
Ao invés de colocar lenha na fogueira do antissemitismo, o presidente deveria se lembrar que como responsável pelo clima reinante no Brasil precisa agir com responsabilidade e não como um mero militante sem papas na língua.