Há quase um ano nós, do Coletivo Lula-Alckmin, passamos a maior parte do tempo batalhando em busca dos votos que acabaram fazendo a diferença para eleger presidente Luis Inácio Lula da Silva. Tínhamos então a íntima convicção que desta maneira estávamos ajudando a salvar a democracia no Brasil. Estávamos certos. Deste ponto de vista Lula não nos decepcionou, mostrou que é um democrata, ao contrário de seu adversário político. Gostaríamos que as mudanças fossem mais rápidas e profundas, mas reconhecemos as dificuldades de se ter um Congresso hiper-conservador e corrupto como o brasileiro.
O combate foi intenso, a luta insana.
Talvez por isso o mal estar que sentimos hoje seja tão grande, a tal ponto que muitos dentre nós, sobretudo os judeus militantes do PT, preferem fechar os olhos. A verdade porém deve ser dita, muito embora doa. A exemplo do que fez o seu predecessor durante 4 longos anos, o presidente abraçou a linguagem e a narrativa fácil das redes sociais. Tão logo o grupo de de 34 brasileiros vindos de Gaza pisou em Brasília, Lula abandonou o equilíbrio e neutralidade da política externa de seu governo ao comparar Israel com o Hamas. Referiu-se novamente à barbárie longamente planejada e executada pelo Hamas, com uma crueldade raramente vista, como ato terrorista, para depois acrescentar: “Israel também está cometendo vários atos de terrorismo”.
Sabemos de longa data que Lula às vezes não utiliza as palavras mais adequadas para qualificar atos e pensamentos. Contudo, um presidente da República, e muito menos um chefe de Estado que tem a pretensão de ser um líder mundial e pesar nas grandes resoluções, não tem o direito de confundir supostos crimes de guerra com terrorismo.
Poder-se-ia argumentar em seu favor que Lula quis “apenas” exteriorizar sua emoção diante da imagem insuportável de crianças mortas, demonstrando assim, mais uma vez, seu humanismo. Mas na melhor das hipóteses esta é uma meia-verdade. Dias atrás, na Conferência de Paris sobre a ajuda humanitária à Gaza, ao falar como representante oficial do Brasil, portanto como porta-voz do presidente, Celso Amorim usou o termo genocídio ao se referir a Israel.
Ora, Israel não comete genocídio em Gaza, mesmo se alguns membros extremistas de seu governo o desejassem.
Em 1944, ao tentar encontrar palavras para descrever as políticas nazistas de extermínio sistemático dos judeus, o advogado judeu polonês Raphael Lemkin criou a palavra “genocídio” do grega geno-, que significa raça ou tribo, e da palavra latina -cídio, que quer dizer matar. Com este termo, Lemkin definiu o Lemkin definiu o genocídio como “um plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva à destruição dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los”.
Isso significaria que Israel tem usado a força para aniquilar os palestinos de Gaza. É um absurdo, e tanto Amorim como Lula sabem disso. Como sabem que o objetivo do Hamas, aí sim, é cometer um genocídio para acabar com Israel e com o povo judeu. Isto está escrito, preto no branco.
Se Israel aceitasse a hipótese de cometer genocídio já o teria feito, pois possui os meios militares de acabar com a guerra e com a população palestina de Gaza. Mas não o faz e não o fará.
Terrorismo, como escreve Mariliz Pereira Jorge na Folha de S. Paulo, “é o uso sistemático de violência para criar um clima de medo generalizado por meio de assassinatos, massacres, raptos, atentados … Foi o que o Hamas fez. Não há notícias de que o Exército de Israel, por mais letal e condenável que seja sua ação, esteja estuprando mulheres, arrastando-as pelas ruas, assassinando pais na frente de filhos e vice-versa, queimando e decapitando gente ainda viva, com o único objetivo de aterrorizar as pessoas e pelo prazer de matar.”
Se Lula demorou duas semanas para chamar o Hamas de grupo terrorista foi provavelmente porque ficou “desconfortável” em desagradar seus eleitores radicais de esquerda, deputados e senadores do PT, PSOL e demais partidos que apoiam abertamente o Hamas, considerando-o um movimento de resistência; pouco importa se estupra, se esquarteja e queima pessoas vivas, se assa um bebê num forno, se despedaça um feto.
Lula quis denunciar as forças israelenses por violação da Convenção de Genebra, por estar matando civis. O problema é que não dá para reconhecer o direito de resposta de Israel e ao mesmo tempo acusá-lo de matar crianças, mulheres, velhos, doentes, quando o Hamas os utiliza (como o próprio grupo terrorista reconhece) como escudos humanos. De um lado se reconhece o direito – e até o dever – dos soldados de Tsahal levarem adiante a guerra, mas de outro não pode atingir os hospitais que servem de centros de comando militar do Hamas, não podem atingir as escolas, onde se escondem os terroristas, não podem atirar em ambulâncias que transportam terroristas para zonas de túneis que levam à Israel, e assim por diante, a lista é longa. O Hamas chegou a impedir e até atirar para matar palestinos que tentavam deixar o norte de Gaza em direção do sul. É evidente que o grupo terrorista quer o maior número possível de mortes palestinas para poder responsabilizar Israel e ganhar a guerra das narrativas.
O mundo, incluindo o presidente brasileiro, pode argumentar que Israel não tem o direito, qualquer que seja o contexto, de matar civis. O que ninguém pode fazer, honestamente, é se referir unicamente a Israel, sem uma palavra sequer destinada ao Hamas e aos países que o financiam, a começar pelo Irã e Catar, que têm sobre ele uma real influência.
Se Lula quer ser útil, ouso sugerir que proponha então um plano de paz, que comece simultaneamente pelo cessar-fogo, a libertação de todos os reféns, a entrega de todas as armas em mãos do Hamas, a dissolução do movimento terrorista, a saída das tropas israelenses de Gaza, concomitante à entrada de uma força internacional majoritariamente árabe, a transferência do governo de Gaza à Autoridade Palestina e abertura de negociações com vistas à transferência dos colonos judeus para Israel e à criação de um Estado Palestino soberano.
Neste momento, a extrema-esquerda abraça a causa do Hamas, preconiza o fim de Israel em nome de um antissemitismo fantasiado de anti-sionismo. A palavra de ordem é Free Palestina – Palestina livre, como se houvesse democracia em Gaza e não um regime autocrático, uma teocracia obscurantista, que discrimina mulheres e mata homossexuais. O Hamas é um grupo terrorista, de extrema-direita; a esquerda radical sabe disso e o apoia.
Sim a um Estado Palestino democrático, soberano, vivendo em paz e cooperação com Israel. Afinal, foi o que sempre defendeu, e espero que não perca isso de mira, o presidente Lula.