Israel vive nestes dias um dilema sem precedentes: que estratégia adotar contra o Hamas, em Gaza. O desafio é praticamente insolúvel, não há uma boa solução, face à existência de mais de 150 reféns. Tudo vai depender, muito provavelmente, da maneira como o Hamas vier a utilizá-los: como moeda de troca ou como escudos humanos.
A escalada da violência, porém, torna a negociação , seja direta ou através de um mediador internacional, praticamente impossível.
Toda e qualquer referência ao passado, em particular no caso do soldado Shalit, negociado contra a libertação de 1.023 militantes do Hamas presos em Israel, não faz o menor sentido. A situação é totalmente diferente, é inédita.
O Hamas, disse o expert francês em estratégia e questões militares israelenses Pierre Razoux, “faz tudo para atrair Israel para a ratoeira de uma operação terrestre.”
Aparentemente com sucesso.
Uma ação mais moderada seria entendida como fraqueza, sobretudo pelo Irã, provocando novos ataques .
Em contrapartida, uma ação contundente de Tsahal, com milhares de mortos entre os civis palestinos, deixará a imagem de Israel abalada a um ponto talvez nunca antes visto e suscitará a equiparação moral com o movimento terrorista. Os riscos são enormes: não trará de volta os reféns, não acabará de vez com o Hamas, irá fomentar revoltas entre os palestinos da Cisjordânia, poderá precipitar a entrada do Hezbolá na guerra, deixará um número incalculável de soldados israelenses mortos, além de provocar atentados mundo afora (como ocorreu ontem na França).
A operação terrestre vai se desenrolar num verdadeiro labirinto, que o Hamas domina de A a Z, com seus mais de 500 quilômetros de túneis. Sem falar do risco maior, de uma internacionalização do conflito, com a entrada do Irã.
Antes do desastre do dia 7, Netanyahu e sua gangue deram de ombros e negligenciaram as advertências egipcias e de seus próprios generais. Hoje, o primeiro-ministro vomita palavras firmes – “Vamos destruir o Hamas!” – sem querer enxergar que seu tempo passou e que ao fim dessa guerra irá para a prisão, não mais por corrupção, mas por crime político.
Não foi sequer capaz de formar um governo de união nacional, limitando-se a abrir espaço para os generais Benny Ganz e Gadi Eisenkat, ex-comandantes supremos das forças armadas israelenses, para que se ocupem da administração da guerra. O líder político da oposição, Yair Lapid, foi descartado, por exigir a demissão dos dois extremistas de direita, messiânicos, Ben Gvir e Smotrich, responsáveis diretos pelo que aconteceu no dia 7.
Este gabinete de guerra está com seus dias contados.
Netanyahu vocifera contra o Hamas, mas não tem nenhuma autoridade para tanto. É dele a estratégia que transformou o movimento terrorista no que ele é hoje, uma milícia hiper armada, de 40, 50 mil homens, muito bem formada e financiada. Netanyahu fortaleceu deliberadamente o Hamas e debilitou a Autoridade Palestina, com o único objetivo de impedir qualquer negociação que abrisse caminho para a partilha em dois Estados.
Netanyahu, o Irã e o Qatar são os grandes responsáveis pela encruzilhada em que Israel se encontra.
Quem o defende argumenta que não se troca um líder em meio a uma guerra. Não é bem assim; em maio de 1940, o primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain foi substituído por Winston Churchill, com o resultado de conhecemos.