Em Rosh Hashana[1], como sempre que venho ao Brasil nos chaguim[2], vou a CIP[3]. Lá me sinto em casa. Meus avos fundaram a CIP, a ala ortodoxa, foram muito ativos na Chevre Kadisha[4], no Lar das crianças. Meus pais foram muito ativos no CIAM. Eu na Chazit Hanoar[5], como sheliach[6] em Porto Alegre e depois como mazkir olami[7] em Israel. Com Sobel organizei o programa de vários grupos dele em Israel. Eduquei gerações de madrichim[8] de todos os movimentos juvenis no Machon Lemadrichim[9], mas em primeiro lugar os da Chazit. Realmente tenho CIP em meu coração, em meu DNA.

Este ano foi algo especial. Ao entrar na sinagoga procurei meus companheiros, meus chanichim[10], conhecidos de meus pais e avos. De repente me dei conta que estava olhando para as pessoas erradas. Os “68 anos” não eram os amigos de meus pais, mas sim os meus. O tempo voou. Certeza de que estavam lá, mas já não os reconheci.

Ao sentar-me reparei que nada mudou. Desde que me conheço como gente e que frequento a CIP, o interior da sinagoga não mudou. Mas, muito mudou. A CIP soube ser dinâmica e se adaptar as realidades. A pandemia, trouxe a última – o serviço online. Olho ao meu redor e famílias inteiras juntas, pais, mães e filhas e filhos. Todos juntos. Uma alegria me invade ao ver isso e ao mesmo tempo uma tristeza a ponto de chorar. Renato e Shirley (Sacerdote) estavam do meu lado e mostro a eles uma foto de Israel – uma placa na cidade de Beit Shemesh[11] “Sob ordem dos Rabinos nos shabatot e chaguim[12] as famílias não deverão caminhar juntas nas ruas. Homens nas ruas, mulheres nas calçadas”.

Um peso, como uma pedra na minha garganta. Uma tristeza me domina, medo, angustia, decepção, desesperança. O que aconteceu com meu Pais, ao qual fiz alia[13] com 18 anos? O que aconteceu com àquele sionismo humanista socialista pelo qual realizei o sonho de muitos de viver em um Pais de judeus, democrático. Como pode ser que o único pais do mundo no qual a maioria do povo judeu não tem representação e aceitação enquanto a sua ideologia religiosa? No qual os movimentos reforma e conservador são “não Kasher[14]”. Como chegamos a este ponto, no qual 5% do povo judeu domina, de forma totalitária, a Israel e define o que é judaísmo e o que não?

Estou no Brasil, São Paulo, me preparando para viajar a Salvador para abrir o 1º congresso internacional de educação para paz e não violência.

Evento este resultado de meu trabalho educacional em Israel e na Palestina, através da ONG que criei para trabalhar em educação para a paz e não violência com judeus, muçulmanos, cristãos e drusos – israelenses e palestinos e de minha atuação em movimentos políticos a favor do fim do domínio e da opressão de Israel ao povo palestino, a favor de uma Confederação Israel-Palestina. Resultado de minhas vindas ao Brasil para dar oficinas e palestras sobre o modelo educacional bilingue e sobre as soluções para o conflito. Em uma palestra no Rio de Janeiro um dos participantes disse “Davi você não está falando só de judeus e palestinos, mas também do Morro e do Asfalto”. Entendemos que o nosso modelo poderia falar a outros conflitos, a outras opressões. Junto com Sérgio Storch, armamos os princípios de uma Rede Internacional de educação para Paz e Não Violência. Sérgio se foi e nós seguimos.

Desde 2001, venho ao Brasil a cada 2 anos e em todas minhas palestras venho alertando para onde Israel caminha e qual deveria ser o papel das diásporas. Venho alertando sobre o processo que Israel está passando e que teve início com o golpe de 1995, com o assassinato de Rabin e a subida de Bibi Nataniahu em 1996.

Em relação ao conflito israelense-palestino, ao contrário do que se diz, os acordos de paz não foram feitos pela direita e religiosos, mas sim pelo setor liberal do Likud[15] (o Likud é uma coalisão do partido Liberal com o partido Herut). Beguin ao fazer o acordo com o Egito precisou do centro e da esquerda para levar a diante o programa, que ao final a grande maioria votou a favor. O acordo com a Jordania foi realizado pelo Avoda, com Rabin. O acordo de Oslo foi assinado por Rabin.

Em 1995 Israel sofre um golpe político, com o assassinato de Rabin, por forças ideológicas de extrema direita e do sionismo religioso messiânico. Com isso, desde 1996, com a subida de Bibi Nataniahu, a direita domina o país, até os dias de hoje. Com pequenos intervalos de um ano e meio com Barak (1999-2001) e 3 anos com Olmert (2006-9). Neste período houve várias tentativas de um acordo com o mundo árabe e com os palestinos.  Oslo morreu, não por suas falhas, mas por seu abandono, por não darem continuidade as conversações com os palestinos. Todas as falhas poderiam ser corrigidas e chegado a um acordo final, ao fim do conflito. Em 2000 nas conversações de Camp David e 2001 em Taba quase se chega a um acordo. Barak não tinha a maioria na Knesset e seu governo se desfaz. Em 2002 com a proposta da Liga Árabe poderíamos ter reiniciado um processo, e os Acordos de Avraham, não teriam esperado 20 anos. Em 2005 , nos desconectamos de Gaza, de forma unilateral, sem fazermos um acordo de paz temporário. Em 2009, o primeiro-ministro, Ehud Olmert, estava prestes a fazer um acordo com o presidente Abbas, em troca de 97% do território sob domínio de Israel, quando se demite por acusação de corrupção.  Bibi assumindo de novo o poder, não aceita a proposta de Abbas de seguir s conversações do ponto em que foram paradas.

Desde 2009 não houve mais propostas de negociações, apesar de que o Presidente Abbas declarou para um grupo de 20 representantes de organizações israelenses, e eu entre eles, de que estaria disposto a negociar sem condições previas, que era o grande argumento de Bibi para não realizar as conversações. Mesmo assim, Bibi não aceitou.

Até 1999 a população judia nos territórios ocupados era de 180 mil. Nestes 20 anos a população chegou a 492 mil judeus. Sem contar com o aumento da população judia em Jerusalém Oriental. Neste período cresceu os movimentos terroristas judaicos nos territórios palestinos – Noar Hagvaot[16], jovens colonos que organizaram ataques a aldeias palestinas, queimaram e arrancaram milhares de oliveiras, mataram ovelhas e por fim assassinaram palestinos, com o caso mais difícil da família que morreu queimada trancada dentro de sua casa. Outras organizações terroristas judias como “Terror contra Terror”, “Patrulha da Vingança”, “Bat Yan[17]” e uma série de terroristas que assassinaram palestinos de forma individual. Baruch Goldstein, médico, metralhou e matou 29 palestinos e feriu 125, na Mearat Hamachpela[18], quando estes estavam rezando, Amiram Bem Uliel, que matou uma família incendiando a casa e não permitindo que saiam de lá e Igal Amir, assassino de Rabin.

Mas, nada se compara com o que vemos nos últimos 9 meses do atual governo. Formado por 50% de ministros do Likud, 25% de 3 partidos sionistas religiosos e 25% dos partidos ultra ortodoxos fundamentalistas. Governo ideologicamente racista, homofônico, antidemocrático, anti-pluralista judaico, acreditando na superioridade do povo judeu.

Mais de 100 leis religiosas foram aprovadas pela Knesset. Bilhões passaram as mãos dos colonos e dos partidos homofônicos e antidemocráticos. O secretário do ministério de educação se demitiu a um mês, a vice-secretária se demitiu esta semana. O ministério de educação está quebrando. O mesmo com o ministério de comunicações e saúde. O ministério de segurança nacional está nas mãos de Bem Gvir, terrorista declarado pelo próprio serviço de segurança nacional. A ele lhe foi dado uma verba especial para criar a polícia especial de 1800 policiais, que lembra algo de 1933. O ministério das finanças esta nas mãos de Smotrich, racista, cuja mulher se recusou a estar no mesmo quarto com uma palestina, no hospital.  Avi Maoz, cujo partido Noam, se propõe impor as leis da halacha[19] no país e lutar contra a comunidade LGBTQIA+, é o responsável pelos programas extracurriculares nas escolas. Organizações liberais e de esquerda foram proibidas de entrarem nas escolas no programa extracurricular, ao passo que dezenas de organizações homofônicas, anti aborto, racistas receberam mais verbas para atuarem nas escolas.

Sem ainda saber do conflito que surgiria em Yom Kipur[20], quando o movimento HaRosh HaYehudi[21], movimento messiânico que tem como ideologia a Hadata[22], decidiu ir contra o Supremo Tribunal e rezar em Tel Aviv em lugar público, separando homens de mulheres, chegando ao conflito com população laica,  refletindo sobre toda essa caminhada, desde minha ida a Israel até este momento que estou sentando na CIP, sobre todo o processo de minha vida, nesta caminhada para Tikun Olam[23], legado de minha família, me lembrei que em julho de 2015 recebi a Caetano e Gil em Israel em um encontro com 140 representantes de organizações pro paz e pró-Estado da Palestina. O New Israel Fund foi meu parceiro. O movimento Combatants for Peace os levou a Sussia. Caetano dois meses depois declarou “Gosto de Israel fisicamente. Tel Aviv é um lugar meu, de que tenho saudade, quase como tenho da Bahia. Mas acho que nunca mais voltarei lá”. Nesta carta Caetano citou meu nome 4-5 vezes, como quem organizou a sua visita. A comunidade judaica brasileira me acusou de “traidor”, culpado pela postura de Caetano, que neste encontro disse: “parem a ocupação, parem a segregação, parem a opressão”

E eu digo, eu voltarei a Israel e comigo levarei a diáspora para que,

Não deixarmos que 5% do povo judeu domine o Estado de Israel

Não deixarmos que Israel seja o único país no qual um judeu reformista, conservador, laico não possa expressar livremente sua identidade

Não deixarmos que Israel seja o antro de poucos judeus que acreditam que o povo judeu é superior

Não deixarmos que Israel se transforme num país racista e apartheid segregando o árabe como cidadão de segunda categoria.

Não deixarmos que Israel seja um país homofóbico

Não deixarmos que Israel humanista e democrática se transforme em ditadura teocrática.

Não deixarmos que Israel se transforme no que a Alemanha foi em 1933,

[1] Ano novo judaaico

[2] Festas judaicas

[3] Congregação Israelita Paulista – Sinagoga

[4] É uma organização de homens e mulheres judeus que cuidam para que os corpos dos judeus falecidos sejam preparados para o sepultamento de acordo com a tradição judaica

[5] Movimento juvenil

[6] Diretor pedagogico

[7] Secretário munidal

[8] monitores

[9] Instituto Educacional

[10] Alunos, educandos

[11] Cidade em Israel, com uma população de judeus ultra ortodoxos

[12] Sábados e feriados judaicos

[13]Termo usado para definir a imigração de judeus para Israel

[14] Kasher são produtos alimentares de acordo com as leis religiosas ou normas religiosas

[15] Likud é o partido majoritário seguindo a linha do sionismo revisionista de direita

[16] Juventude das colinas – movimento de jovens de extrema direita

[17] Movimento terrorista que colocou uma carroça com explosivos em frente de uma escola de meninas árabes

[18] Caverna dos patriarcas – Série de cavernas localizadas no coração da antiga cidade de Hebron, onde, segundo a Torá, a Bíblia e o Alcorão, estão enterrados os Patriarcas Abraão, Isaque e Jacó

[19] As leis judaicas ortodoxas

[20] O dia do Perdão – o dia mais sagrado para os judeus.

[21]Tradução: Cabeça Judaica

[22] o processo missionário de “transformar” o judeu laico em religioso.

[23] Termo usado no judaísmo para melhoria do mundo, transformação do mundo.