Era uma cabana de pano desmontável. Herança de outras infâncias. A pequena chega no quarto, olha curiosa para o tecido amarelo e entra no abrigo frágil. Com seu pouco mais de um ano de idade, devia sentir-se soberana de um reino invisível. Olhou-me com ar pidão. Convite silencioso, mas irrecusável, para dividir intimidade. E também entrei na casinha.

Dentro, percebi que as varetas que sustentavam a frágil construção estavam desalinhadas. Abaixei-me o quanto pude, tentando encaixar as peças. No meio do trabalho, a surpresa. O pinguinho muito querido aproximou-se e envolveu minha cabeça com seus pequenos braços. Para completar a festa, encostou sua cabeça na minha. Ficamos ali, unidos por um sentimento leve, sem palavras, por uma identidade que se inaugurava. Sem pressa. Fora da cabana, o mundo e suas circunstâncias podiam esperar.

Abraço.

Na noite festiva, o Menino discursaria. Treinado durante meses, falaria em ídish, idioma que não dominava. Tudo memorizado para confirmar a entrada na maioridade religiosa. Um ritual praticamente obrigatório nas famílias judias. A ancestralidade dizia presente.

O nervosismo era natural. Na manhã do dia anterior, tinha cumprido a etapa litúrgica do processo. Agora, no salão de festas, repetiria palavras que os adultos já estavam cansados de saber, mas mesmo assim não dispensavam. Antes da boca livre, digo, do jantar, eu falaria. E a expectativa era de que não titubeasse, como se fora um grande orador a iluminar as gentes. Logo eu, um dentuço a caminho da redenção, que mais preferia ver e ouvir.

E o silêncio se fez. O terno e a gravata, tortura para um adolescente, pareciam pesar algumas toneladas. O microfone, que já tinha conhecido dias e falantes melhores, estava ali, inquisidor. Como dar a largada? De onde viria o sinal para tocar o bonde?

O Grande se aproximou. Pegou o microfone com a intimidade de um Antônio Cordeiro, de um Heron Domingues, de um Gontijo Teodoro, e, meio sorriso nos lábios, sorriso inteiro nunca foi possível, falou: Manda brasa! E me passou a geringonça.

Todos os temores desapareceram. Todas as formalidades derreteram. Falei sem parar durante, sei lá, uns dez, quinze minutos. Libe eltern, zeide un bobes un hoshuve fraind… Queridos pais, avô e avós e distintos amigos. Ainda lembro esse início.

Tudo foi gravado e se transformou num pequeno disco de vinil, que ainda guardo, com seus chiados estranhos. Infelizmente, aquelas duas palavras libertadoras do Grande foram apagadas. Crueldade do cara que editou o discurso. De qualquer forma, elas foram um grande abraço na alma, autorização para entrar num mundo que ele gostaria de compartilhar comigo. Neste sentido, pintou eternidade. Ou e-terna-idade.

Abraço. E coragem.