Viver em sociedade significa muitas coisas, mas uma delas é obedecer às leis. As leis são como regras que nos dizem o que podemos ou não fazer. Muitas pessoas gostariam de viver como se não houvesse outras pessoas ao redor, mas isso seria um caos, com cada um fazendo o que quisesse.

Mesmo com todas as leis, ainda existem algumas pessoas que pensam que elas valem apenas para os outros, não para elas. Nessas situações, a justiça entra em ação para decidir o que fazer quando alguém desobedece a lei. Mas e quando é o próprio governo que desobedece a lei?

Alguns líderes eleitos que estão no poder desejam se tornar ditadores, porque o poder pode ser algo muito sedutor. Para evitar que isso aconteça, existe o poder judiciário, que é como um freio para o governo. Imagina só se o poder judiciário não pudesse dizer ao governante o que é certo ou errado? Seria como viver numa ditadura, mesmo que ela não parecesse tão severa.

Em Israel, não há uma constituição como a gente tem em outros países. O poder executivo e legislativo são quase a mesma coisa. O judiciário é como um freio para o governo, e quando ele é impedido por lei de intervir nas decisões do governo, as minorias ficam sem nenhuma proteção. Olhe o que aconteceu em outros lugares, como na Polônia, na Hungria e na Rússia, por exemplo.

Agora, em Israel, quem está no poder é uma união de diferentes grupos: a direita, os partidos religiosos e a extrema direita. Cada grupo tem seus próprios interesses. Os religiosos querem dinheiro para suas causas religiosas, a extrema direita quer poder para transformar Israel numa nação que se estende até o rio Jordão e, depois, até a Jordânia. E, por fim, a direita, representada pelo Likud, quer o poder só por ter o poder.

Essa união de grupos é forte, mas também é frágil. É forte porque cada grupo está no governo para conseguir o que quer. Mas é frágil porque, se um deles se sentir prejudicado, o governo pode cair. Se o dinheiro para os religiosos acabar, o governo pode cair. Se enfrentarem os radicais da extrema direita, o governo pode cair.

O tribunal supremo de justiça de Israel é chamado de Bagatz. Eles costumavam usar algo chamado de “Lei do Bom Senso”, quando não havia leis básicas específicas. Essa lei permitia que o Bagatz cancelasse decisões do governo que não pareciam fazer sentido. Não era porque existisse uma lei que dissesse que certas coisas não podiam ser feitas, mas era uma questão de senso comum. Isso incomodava muito o governo.

Ontem, 24/07/2022, o governo atacou o poder judiciário e tirou o poder do Bagatz de usar o “Bom Senso” para questionar as ações do governo. Agora, eles podem fazer o que quiserem sem ninguém questionar. Por exemplo, eles querem que as mulheres sentem nos últimos assentos nos transportes públicos e não permitem que casais gays se deem as mãos em lugares públicos, assim será e ninguém poderá impedir.

Além disso, o governo quer poder escolher os ministros do Bagatz. Atualmente, uma comissão composta por representantes do governo, da oposição, dos advogados e dos juízes é responsável por escolher os membros do tribunal supremo. O problema é que nem todos os escolhidos apoiam tudo o que o governo deseja.

O governo argumenta que eles têm maioria no parlamento e que, por isso, têm o direito de implementar suas políticas, já que foram eleitos com base nessas ideias. Isso é meio verdade, pois eles têm a maioria, mas tudo tem um limite, ou pelo menos tinha até ontem. Ninguém esperava que, uma vez eleitos, eles iriam atacar o judiciário dessa forma.

Pesquisas mostram que a maioria das pessoas é contra o que o governo está fazendo e que, se as eleições fossem hoje, eles não conseguiriam formar um governo novamente.

A primeira batalha já foi perdida, e o governo conseguiu aprovar a revogação do uso da “Lei do Bom Senso” para suas ações, com 64 votos a favor e nenhum contra. A oposição saiu do plenário depois que todas as tentativas de chegar a um acordo foram negadas. Milhares de israelenses que vem protestando nas ruas não desistiram da luta e precisam de todo o apoio possível.

A próxima batalha será no próprio Bagatz. Várias organizações da sociedade civil estão apelando ao tribunal supremo para que, ironicamente, eles usem o “Bom Senso” para invalidar a decisão do governo de revogar essa lei. Agora cabe ao Bagatz decidir se intervém para salvar a democracia ou se acaba com o que um dia foi chamado de a única democracia do Oriente Médio.