Sempre caminhei em praças e parques, até que um dia no consultório escutei um analisando falar que caminhava nas ruas. Fiquei pensando a partir de então como eu poderia seguir essa ideia que não tinha me ocorrido. Não tardei a encontrar um circuito que, saindo da minha casa, chega na rua Felizardo após quinze minutos. Aí tem uma das lombas íngremes da cidade, que está ao lado do Jardim Botânico até chegar a uma rua plana que igualmente bordeia o jardim. Aos poucos fui treinando as subidas e descidas e não tardei em imaginar o quanto uma vida é feita de altos e baixos.
Às vezes, a gente está tão bem, tão em paz com a existência, em outras parece que o mundo vem abaixo, se passa do amparo ao desamparo. Ora animado com o Brasil e o mundo, ora abatido, ora sonhando com o amanhã e ora angustiado. Quem na vida não subiu e já desceu, quem até não adoeceu? Viver é uma arte e tanto, mas como se aprende a arte de viver é o X da questão. Lembrei agora da autobiografia de Oliver Sacks, “Sempre em movimento”, livro que recomendo. Viver em movimento físico, psíquico, social, gerando ideias que dão origem a metamorfoses, emociona.
Não poderia viver sem parcerias, mas admiro quem consiga viver mais só, em busca de alívios da solidão. Quantos artistas viveram sós, às vezes com alguém ao lado, mas iluminaram as vidas do ser humano. Lembrei de Franz Kafka com seus amigos e noivas, ou o incrível gênio da pintura que foi Van Gogh, ou o compositor Beethoven que mudou a música ocidental. Gente que viveu intensamente, sofreu muito nos seus amores, criou obras admiráveis e aos quais tanto devemos. Foram humildes, suportando crises intensas de todos os tipos.
Na vida há um sobe e desce em todas as atividades, e muitas vezes há avaliações íntimas de uma boa autoestima e outras de baixa estima. Esse vaivém tem a vantagem do movimento, nada fica sempre igual, o tempo passa, a gente cresce, amadurece, envelhece e pode seguir aprendendo. Dos aprendizados, é essencial aprender a vivacidade pura do amor, aprender a amar essa tribo que a gente forma com familiares, amigos, gente com quem se trabalha, convive.
Se me perguntassem o que é mesmo viver hoje, responderia que viver é aprender, aprender do cotidiano, da natureza, das artes, e de como conviver sem tanto sofrimento. Não acredito em fórmulas, confio no aprendizado, nos que se arriscam ao novo, vivem as metamorfoses como acréscimos. Aprender a se amar como a gente é, com certos limites que vão sendo definidos com o passar do tempo. Um dos aprendizados é suportar a loucura geral, pessoal, sem perder muito o norte, mantendo aqui e ali alguma luz diante das angústias geradas pelas perdas. No fundo o que se requer é aceitar os contrastes paradoxais da gente e dos demais, e assim conviver com o desamparo. Perceber a incerteza cotidiana, fazer as pazes com o estranho que vive na gente, esse inconsciente ambivalente onde o tempo não passa.
Subir e descer a rua Felizardo, e cada dia é diferente, conviver com a natureza do Jardim Botânico não me fez melhor, não aprendi a escrever, nem sei se fiquei mais equilibrado. Entretanto, sempre que saio a caminhar sinto uma alegria, e quando retorno das subidas e descidas percebo que estou animado sob o efeito das endorfinas. Subir e descer na vida com parcerias, mesmo imaginárias, alivia, dá leveza diante de tanto peso.