Carlos era um menino de dez anos, adorava livros e estudava em um colégio judaico. Um colégio com muitas árvores, pátios, um ginásio de esportes e uma bela biblioteca. Desde muito cedo se acostumou a ler graças ao seu pai e principalmente ao seu avô. Na verdade, o avô era chamado Zeide, em ídiche, pois ele tinha nascido na Polônia, numa pequena aldeia onde moravam muitos judeus. O avô tinha estudado numa escola de rabinos, uma Yeshivá, e conhecia muito o Tanach, o Velho Testamento, e outros livros da sabedoria judaica. Quando Carlos tinha oito anos ganhou um pequeno livro, o Pirkê Avot (Ética dos Pais), e aprendeu as frases e histórias dos sábios de dois mil anos.
O único problema de Carlos era ser o mais pobre de sua turma na escola. Seus colegas vinham com pastas bonitas, uniformes muito bem passados; já ele não, tudo era muito simples. Na saída da escola os pais vinham buscar os filhos em grandes carros, e ele ia caminhando para sua casa. Um dia, Bernardo perguntou-lhe por que o seu pai não vinha buscá-lo de carro, e Carlos disse que sua família não tinha carro. Bernardo não quis acreditar, riu do seu colega, e logo contou aos demais.
Interessante que no futebol esse menino pobre se destacava, pois se empenhava nas partidas, correndo atrás da bola com entusiasmo. Um dia Carlos trouxe um pequeno livro preto de capa dura e despertou o interesse de vários colegas, e alguém que lhe perguntou:
– Que livrinho é esse?
– É o Pirkê Avot.
– Pirkê Avot? O que é isso? – logo vários perguntaram.
– Ética dos Pais. É o livro mais popular da sabedoria judaica.
– E o que tem nele de tão especial?
– Os principais sábios judeus expõem lições de vida através de comentários da vida.
– Conte alguma – disseram alguns colegas curiosos.
– Começo com Hilel, o único a ser chamado de sábio dos sábios no Povo Judeu.
– Como mesmo é o nome dele? – perguntaram.
– Hilel, que de tão importante é chamado de sábio dos sábios. Por exemplo, ele disse uma frase famosa mais ou menos assim: “Não faças aos outros o que não queres que façam a ti”. Contam que ele teve influência até em Jesus Cristo.
A essa altura o grupo de colegas que rodeava Carlos já tinha aumentado, e estavam todos surpresos. Não imaginavam o colega pobre, que vinha ao colégio com roupas amarrotadas e que seu pai não tinha carro, saber tanto sobre os sábios judeus.
– Conte mais sobre Hilel.
– Tem três frases famosas que gosto muito: “Se eu não for por mim, quem será por mim”; “Se eu for apenas por mim, o que será de mim?; “Se não for agora, quando?”. Meu avô, o Zeide, me explicou várias vezes que cada um deve cuidar de si, mas também devemos nos ocupar dos demais, e, quando temos algo para fazer, devemos fazer e não sempre postergar para amanhã.
Disse, por fim, que entre as qualidades de Hilel estavam a paciência e a capacidade de pensar coisas novas que até hoje são úteis. Existem no mundo escolas com o nome de Hilel. Concluiu:“Nunca mais alguém do Povo Judeu foi chamado de sábio dos sábios”.
– Carlos, tu és o amigo dos sábios – disse Bela.
A partir daquele dia ele passou a ser chamado de amigo dos sábios.Todos estavam estupefatos, o menino que tinha ironizado Carlos por seu pai não ter carro e ele ser pobre ficou envergonhado. Agora, via uma riqueza e um conhecimento no colega. Pediu para ele contar mais do Pirkê Avot, em especial de Hilel. Entretanto, já havia batido e o recreio terminado. Os demais colegas, a partir daquele dia, passaram a tratar Carlos de outra forma. A turma soube na prática o que é um dos valores do Judaísmo e da Sabedoria universal, que é o hakarat hatov (reconhecer o bem) – elogiar as qualidades de seus semelhantes e falar bem dos outros.
P.S. Essa é a única história que escrevi para crianças no livro “Contos e reencontros” com vários autores, editado pelo Colégio Israelita Brasileiro nos seus 95 anos, que agora está completando cem anos. Fui aluno e professor do CIB a quem agradeço sempre.