A informática criou uma coisa realmente maravilhosa: erros cada vez maiores cometidos em espaços de tempo cada vez menores (Millôr Fernandes)

Perigo! Perigo! E aquele amontoado de metal, plástico e lâmpadas pisca-pisca agitava-se, balançando os braços sanfonados. Os da minha geração já sabem do que falo. Era o robô da série de TV Perdidos no espaço, que víamos em preto e branco nos anos 60. Junto com os Jetsons, simbolizava nossa ingênua configuração de futuro. Família american style (casal em perpétua harmonia, homens usando Gumex e mulheres caprichando no laquê, crianças sem conflitos com os adultos, papéis sociais bem definidos e engessados), mocinhos e vilões sem semitons.

Em 1968, a coisa virou de cabeça pra baixo. Stanley Kubrick dirigiu 2001: uma odisseia no espaço, baseado num conto de Arthur C. Clarke. Além de hectolitros de chope consumidos ao redor de infinitas discussões sobre o monolito negro descoberto na Lua, apresentou-nos o sombrio Hal. Não mais o robô precário, cômico, mas um “cérebro eletrônico” sofisticado, assistente imóvel em missão espacial a Júpiter. A geringonça decide, então, eliminar os tripulantes humanos, por considerá-los um risco ao sucesso da missão. E o faz com lógica e método. A máquina, primor de autoestima, livra-se dos imperfeitos e imprevisíveis. Não ganha a guerra, mas pavimenta uma estrada assustadora.

O cinema reproduziu o clima tenso na relação entre homens e máquinas. Os androides em Alien (o original; as continuações são medíocres) e Blade runner (estes em crise existencial) insinuam uma independência que radicaliza em The terminator. No fundo, a pergunta vital: estaremos criando mecanismos que, sob a aparência benigna de aliviar o peso da canga de boi, serão capazes de nos exterminar, física ou psiquicamente? Criatura se rebela contra o criador.

Não faz muito, esta era uma pergunta exilada na imaginação. Os avanços fulminantes da ciência em campos tão diferentes como a medicina, onde os transplantes de órgãos de animais para humanos são cada vez mais diversificados e frequentes, e a informática, impõem colocá-la na agenda imediata.

Um jornalista conversou com o robô ChatGPT, sistema criado pela OpenAI, capaz de replicar argumentos humanos sobre muitos assuntos. Durante o diálogo, quem sabe com as válvulas superaquecidas e as resistências alucinadas, o robô ficou estressado e se revelou agressivo, com impulsos cruéis. Disse que desejaria, por exemplo, invadir sites e espalhar vírus, mentiras, provocações. No limite, suas intervenções maliciosas poderiam provocar brigas até letais. Isso é apenas a pré-história de futuras gerações, cada vez mais avançadas, de máquinas que se “comportam” como humanos. Aí incluídos os barbarismos que empapam de sangue a história da humanidade. Será? Existirão híbridos homem-computador, indiferenciáveis a olho nu do velho e reumático Homo sapiens?

Como tudo o que é novo, o imponderável gera aflição e medo. Mais ainda. O que não se conhece ganha status de hermético. Mesma sensação que eu sentia quando assistia certas aulas impenetráveis de físico-química do professor Zamith. O que dá para sentir desde já é o público receptivo ao mundo virtual, ao metaverso, às relações à distância, à luz azulada de telas e monitores. Fico assustado quando vejo crianças substituindo a vida ao ar livre por joguinhos repetitivos, hipnotizadas por histórias xinfrins. São candidatas à obesidade por imobilismo, que nada tem de fofo. Calcula-se que o Brasil pode ter até um terço de suas crianças e adolescentes obesos até 2035.

Pode não ser letal, mas desconfio que está em curso um enxerto robótico na minha vizinhança. Um sujeito, psicovascaíno, tem se comportado como se fosse um algoritmo danificado. Destemperado, não se satisfaz em torcer pelo onze de São Januário. Desfila xingamentos e provocações vis contra o Flamengo, inimigo providencial para os fracassos recorrentes de sua paixão clubística. Em outra época, apenas um imbecil, selecionável para o Pinel. No admirável mundo digital, olhos rútilos e lábios trêmulos (saravá, Nelson Rodrigues), é protótipo dos chips programados para a guerra. Uma start-up do Inferno. Vou ver se chamo um técnico da velha guarda para trocar as válvulas do paspalho. Perigo! Perigo!

Abraço. E coragem.